Abusos sexuais na Igreja são um estigma que persegue o papa em suas viagens

14 de janeiro, 2018

A intervenção do Vaticano na congregação laica peruana Sodalício de Vida Cristã e as denúncias de abuso sexual no Chile antecedem a chegada do papa Francisco aos dois países, onde vai encontrar uma Igreja manchada pela tolerância com os sacerdotes pedófilos.

(UOL, 14/01/2018 – acesse no site de origem)

A designação de um comissário apostólico no Sodalício procura silenciar as acusações que as vítimas fazem ao Vaticano. Elas questionam que ele continue protegendo o fundador dessa congregação, o laico Luis Fernando Figari.

Mas “a medida pode refletir um duplo discurso do Vaticano”, por não expulsar Figari, disse o jornalista investigativo peruano Pedro Salinas, coautor do livro “Mitad monjes, mitad soldados” (Metade monges, metade soldados), que revelou o escândalo do Sodalício em 2015.

No Chile, o ambiente tampouco será um mar de rosas para o pontífice argentino. Uma ONG destacou nesta semana que 80 religiosos estão envolvidos em casos de abuso sexual no país, de maioria católica, como o Peru.

‘Para quê pedir audiência?’

Francisco vai visitar o Chile de 15 a 18 de janeiro, para em seguida ir ao Peru, onde ficará até o dia 21. Em nenhum dos países prevê receber as vítimas de abusos, uma conduta que marcou suas visitas ao México, quando se recusou a se reunir com as vítimas do líder da congregação Os Legionários de Cristo, o sacerdote mexicano Marcial Maciel (morto em 2008).

“Para quê pedir uma audiência com o papa? As vítimas de Marcial Maciel pediram, e ele negou. O mesmo com as vítimas do (sacerdote chileno Fernando) Karadima. Sabemos de antemão que ele vai se negar.”
Pedro Salinas, coautor do livro que revelou o escândalo do Sodalício

Os ativistas preveem a publicação simultânea na sexta-feira, em Santiago e Lima, de uma carta aberta assinada por vítimas, advogados e laicos, a fim de lembrar o papa que tem uma dívida pendente com as vítimas.

Ao assumir o papado em março de 2013, Francisco anunciou uma política de tolerância zero, pedindo para tornar os casos públicos. Uma mudança em relação ao seu antecessor, Bento 16 (2005-2013), com quem a Igreja começou a deixar para trás o encobrimento que marcou João Paulo 2º (1978-2005).

Karadima, um caso emblemático

O escândalo parece maior no Chile, onde abarca sacerdotes, diáconos e até uma freira em uma lista de quase 80 religiosos acusados de abusar de menores desde o ano 2000, segundo uma base de dados da ONG americana Bishop  Accountability.

“Publicamos antes da visita de Francisco, na esperança de que um de seus acompanhantes faça ele saber e tomar consciência de que os bispos e líderes religiosos do Chile minam sua promessa de tolerância zero”, diz Ann  Barrett-Doyle, codiretora da ONG que desde 2003 publica os arquivos de abusadores da Igreja. Ann Barrett-Doyle, codiretora da ONG que publica arquivos de abusadores da Igreja

“O papa Francisco diz que chora pelas vítimas, o que queremos é que transforme essas lágrimas em ações.”
Ann Barrett-Doyle, codiretora da ONG que publica arquivos de abusadores da Igreja

Na base de dados estão casos emblemáticos como o de Karadima, denunciado em 2010 por várias vítimas. A Justiça chilena decidiu que o caso tinha prescrito, mas o Vaticano declarou o influente sacerdote culpável de abuso sexual e condenou-o a se aposentar “para uma vida de oração e penitência”.

“A Igreja Católica chilena reage exatamente igual ao resto do mundo” ante os abusos sexuais, disse José Andrés  Murillo, um dos que denunciou Karadima e diretor da Fundação para a Confiança, que luta contra o abuso infantil no Chile.

Murillo percebe gestos contraditórios.

“Quando Francisco é escolhido papa dá sinais de senso comum (…). Mas ao mesmo tempo não muda os protocolos, não há ações concretas que vão conforme as palavras de tolerância zero.”
Andrés Murillo, diretor de fundação que luta contra o abuso infantil no Chile

A cruz do Sodalício

O caso emblemático do Peru é o de Sodalitium  Christianae  Vítae, o nome original da congregação em latim, com o qual criada em 1971.

Seu fundador, Figari, de 70 anos, vive confinado em Roma sob proteção de um decreto vaticano que proíbe sua volta ao Peru, onde desde dezembro enfrenta um pedido de prisão preventiva da Procuradoria.

O Vaticano não o expulsou da organização por considerá-lo um “mediador com um carisma de origem divina”.

O Sodalício, reconhecido por João Paulo 2º em 1997 como uma sociedade de vida apostólica de direito pontífice, é comandado por laicos e dirige vários colégios católicos no Peru. Há mais de um ano, ele admitiu que pelo menos quatro de seus líderes laicos, entre eles Figari, cometeram abusos a 19 menores de idade e 10 maiores entre 1975 e 2002.

O Sodalício se expandiu para Colômbia, Chile, Argentina, Brasil, Estados Unidos, Costa Rica, Equador e Itália.

Além desta, há duas investigações judiciais contra sacerdotes por abusos de menores no Peru, e um cura espanhol está em prisão preventiva.

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