Alteração na Lei Maria da Penha pode pôr mulher em risco, diz especialista

18 de outubro, 2017

Entidades pedem que Temer vete PL que altera Lei Maria da Penha

(UOL, 18/10/2017 – acesse no site de origem)

O Senado aprovou no dia 10 o projeto de lei complementar 7/16, que modifica a Lei Maria da Penha, e agora o projeto segue para sanção do presidente Michel Temer. Uma das principais mudanças propostas é que ele permitirá que os delegados possam conceder medida protetiva de urgência às mulheres vítimas de violência doméstica.

No entanto, entidades do judiciário e ligadas aos direitos humanos, bem como a própria Maria da Penha, têm se posicionado contra o projeto de lei e pedem que Temer o vete. “Acho que não há necessidade dessa mudança de lei, porque vai enfraquecer a Lei Maria da Penha, pelo fato de ser inconstitucional”, disse a própria Maria da Penha ao UOL.

PL é resposta à demora das medidas

O projeto traz diversas propostas, entre as quais o direito das mulheres a atendimento especializado à violência doméstica, preferencialmente por policiais do sexo feminino, e também reforça a necessidade de que os estados priorizem as políticas para criação de delegacias especializadas.

O artigo mais polêmico, porém, é o que determina que as medidas protetivas de urgência, em casos de risco real ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher e de seus dependentes, possam ser concedidas na delegacia.

“As mesmas delegacias onde mulheres ouvem da polícia que devem voltar para casa, tentar conversar com o marido, resolver a situação. Veem a violência doméstica diminuída a uma briga de casal”, diz a advogada da Rede Feminista de Juristas, Marina Ganzarolli.

Atualmente, é preciso a aprovação de um juiz para tanto.

Esse artigo seria uma resposta para reclamações de demora para a concessão de medidas protetivas, o que colocaria a vida das mulheres em risco. No entanto, especialistas explicam que se trata de um artigo ilegal e que, na prática, pode ser virar contra a segurança das vítimas de violência.

“Pode excluir a mulher da rede de atendimento”

Uma das grandes críticas feitas ao projeto é que ele poderia afetar negativamente as mulheres. “Eu conheço algumas delegadas maravilhosas. Elas, com esse poder na mão, fariam a diferença na vida de muitas mulheres. Mas você está dando um poder judicial a muitos delegados que não têm nenhum preparo para lidar com a violência contra a mulher”, diz Marina Ganzarolli.

Para ela, o grande problema é que ter o poder de conceder às medidas também dá aos policiais o poder de negá-las. “E se o delegado negar o pedido da mulher, ele vai reconduzir essa mulher ao silêncio”.

Isso, segundo a advogada especialista em violência contra a mulher, Mariana Fideles, pode afastar as vítimas da rede de atendimento que existe para ela, concentrando a questão da violência, que é muito complexa, na esfera policial. “Muitas vezes, a mulher só entende o que ela vive quando chega no juizado e recebe assessoria jurídica. Se o atendimento fica concentrado no delegado, você acaba banindo a mulher de todo o amparo que a Lei Maria da Penha traz”.

Elas destacam ainda que no formato que a lei funciona hoje, a delegacia de polícia já pode conceder medida protetiva não restritiva à mulher, como a condução a um abrigo.

Maria da Penha considera o PL inconstitucional

A Comissão da Mulher da OAB, o Ministério Público, o FONAVID – Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, entre outros órgãos, se posicionaram contra o PL e alegam que ele é inconstitucional pois concede função judicial à polícia, desrespeitando a separação entre os poderes.

“O projeto, em seu art. 12-B, atribui às autoridades policiais o poder de conceder medidas protetivas de urgência e, por consequência, restringir direitos vinculados à liberdade de locomoção, à liberdade de comunicação e à liberdade de expressão, subvertendo o Estado de Direito e a ordem constitucional e violando, em especial, os princípios da inafastabilidade da jurisdição e da tripartição dos Poderes”, diz a nota do FONAVID.

Outro questionamento é de que o projeto foi feito em silêncio, sem discussão com a sociedade. “Deveriam antes conversar, fazer encontros com as ONGS e entidades que trabalharam a lei Maria da Penha. É por ter tido a atenção de tantos envolvidos que ela é considerada uma das melhores leis do Mundo”, explica Maria da Penha.

Alternativas

Mariana Fideles destaca que em 2012 foi realizada uma CPMI da violência contra a mulher que levantou os dados do atendimentonem todo o país. “Ela verificou várias falhas no atendimento, trata muito da questão da revitimização da mulher no atendimento. Mas foram dadas também várias recomendações em relação a como otimizar a lei. E não faz parte dessas recomendações essa proposta do PLC”, afirma.

As propostas, segundo ela, envolveriam revisão de orçamento, políticas públicas, aumento da rede multidisciplinar de atendimento à mulher, entre outras coisas.

Maria da Penha concorda com ela. “A gente não pode achar que a lei é fraca porque o atendimento não tem funcionado. O que a gente precisa é que os gestores públicos vejam que a lei não está funcionando de uma maneira impactante porque as políticas públicas foram na maioria criadas apenas nas capitais. As mulheres dos municípios menores não têm um espaço onde possam ser orientadas, entender o que é a lei, a medida protetiva. Isso precisa estar presente em todas as cidades. Porque tem município pequeno que não comporta um juizado, uma delegacia especializada, mas que tem mulher sofrendo violência”.

Helena Bertho

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