A Justiça os condenou a um ano de prisão domiciliar ao considerar que não tinham intenção de matar Marisela Pozo. O espancamento foi filmado por testemunhas
(El País, 16/06/2017 – acesse no site de origem)
Marisela Pozo, de 27 anos, foi golpeada com barras de ferro, arrastada pelo chão, amarrada a uma árvore e torturada durante três horas em plena rua em um bairro de periferia de Buenos Aires. Foi atacada por três homens em 17 de março de 2016, à vista de testemunhas que gravaram a agressão com seus celulares e depois compartilharam os vídeos nas redes sociais. Pozo foi levada ao pronto-socorro e três dias depois morreu por falência múltipla de órgãos. A Justiça argentina determinou que Marisela Pozo foi morta sem querer ou, na linguagem jurídica, que foi um homicídio culposo. Sua família soube na sexta-feira, dia 16 de junho, por meio de uma notificação judicial, que o promotor Carlos Alfredo Luppino e a defesa dos acusados fecharam um acordo de julgamento abreviado com uma condenação de um ano de prisão domiciliar para os três agressores, o que os exime ir para a penitenciária.
A decisão, divulgada na quinta-feira, dia 15, gerou numerosas mensagens de repúdio e críticas a um sistema judicial acusado de machista. O advogado da família da vítima, Matías Bernal, anunciou que vai apelar. “É vergonhoso, não posso acreditar que um promotor tenha feito um acordo desse tipo. Está deixando o homicídio impune e revitimizando novamente a família. Três assassinos estão em liberdade porque passou pela cabeça de um promotor fazer este horror”, disse Bernal ao EL PAÍS. O advogado confia que a Câmara de Apelações vai anular o acordo e aceitar a realização de um julgamento. “Eles a amarraram a uma árvore, espancaram e jogaram na rua. Se não quiseram matar, quiseram fazer o quê? Ajudá-la certamente não foi”, afirma Bernal. Na Promotoria, negaram-se a responder perguntas.
Segundo a reconstrução dos fatos divulgada pela mídia local, Pozo saiu de sua casa em estado de delírio provavelmente provocado pelo consumo de drogas, caminhou descalça por volta de um quilômetro e procurou refúgio em um pequeno comércio da região de Laferrere. Ali quebrou um dos vidros do local e o dono e dois vizinhos começaram a espancá-la. “Você é louquinha, vou te curar”, disse a ela um dos agressores enquanto a espancava, segundo as testemunhas consultadas por Bernal. A vítima recebeu socos, pontapés e golpes com paus e ferros que lhe provocaram graves ferimentos em todo o corpo, especialmente nas pernas e nas costas. Em alguns vídeos se vê o momento da surra; em outros, a vítima aparece já sozinha, sem conseguir se levantar, toda manchada de sangue.
A justiça classificou o crime de homicídio culposo com o argumento de que nenhum dos golpes foi “em regiões vitais” e, portanto, os agressores não tinham a intenção de matá-la. Esse tipo de crime é punido com condenações entre um e três anos de prisão e o promotor acordou com a defesa o castigo mínimo previsto em lei. “Isso demonstra a pouca perspectiva de gênero que a Justiça argentina tem. Marisela media 1,60, eles eram três grandalhões. Se fosse um homem, teriam batido assim? Não, a mataram por ser mulher”, reforça Bernal.
Os feminicídios aumentaram 8% na Argentina entre 2015 e 2016, segundo dados da Corte Suprema de Justiça. Na média, uma mulher é assassinada a cada 30 horas no país austral, que há três anos vê manifestações de multidões para exigir o fim da violência machista. Entre as medidas solicitadas ao governo está a capacitação de promotores e juízes, criticados com frequência por falhas tão polêmicas quanto esta.