(ONU Brasil, 30/05/2016) “Instamos as autoridades a empenhar todo o peso da lei contra os agressores e proteger a dignidade das vítimas”, disse a diretora regional da ONU Mulheres para Américas e Caribe, Luiza Carvalho, que assina nota da agência sobre estupros coletivos ocorridos no Brasil.
A diretora regional da ONU Mulheres para Américas e Caribe, Luiza Carvalho, assinou uma nota da agência comentando os casos recentes de estupros coletivos ocorridos no Brasil.
“Nenhuma forma de violência contra as mulheres e meninas pode ser aceita: pelo fim da cultura de tolerância com a violência contra as mulheres. Pelo fim da impunidade”, destacou ela no comunicado divulgado neste domingo (29).
“Proteger a vida de mulheres e meninas é uma responsabilidade de toda a sociedade”, acrescenta a nota.
O escritório regional da ONU Mulheres ressaltou que a tolerância social da violência contra as mulheres e meninas é “sistemática” e inclui violência física, psicológica e econômica, ocorrendo tanto nos espaços públicos como nos privados.
Confira a nota na íntegra:
Preocupa, ainda, outro estupro coletivo registrado em Bom Jesus, estado do Piauí, onde outra adolescente foi vítima de violação por parte de cinco homens, cujo crime segue em investigação.“A Oficina Regional da ONU Mulheres para Américas e Caribe se une ao repúdio do atroz caso de estupro perpetrado por 30 homens contra uma adolescente no Rio de Janeiro, Brasil. Além da brutalidade com que o crime foi cometido, a degradação contra a vítima foi acentuada por imagens e gravações publicadas na internet sobre este ato condenável.
Esses acontecimentos têm causado a mais forte rejeição e comoção na comunidade internacional. Diversas entidades públicas, organizações da sociedade civil, agências do Sistema das Nações Unidas, meios de comunicação social, assim como personalidades dos âmbitos artístico e cultural se pronunciaram com contundência.
Deste Escritório Regional, somamos a nossa voz para a enérgica condenação e instamos as autoridades competentes a empenhar todo o peso da lei contra os agressores e a proteger a intimidade e a dignidade das vítimas.
A tolerância social da violência contra as mulheres e meninas é sistemática e vai desde a violência física, psicológica, econômica e acontece tanto nos espaços públicos como nos privados. A violência se mantém durante desastres naturais e conflitos armados e permanece para sempre na vida de homens e mulheres e com consequências nefastas para toda a sociedade. Dados da OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde] relevam que:
A iniciação sexual forçada e não desejada acontece desde cedo na vida de muitas meninas na América Latina e Caribe:
Proporções expressivas de mulheres jovens, em todas as pesquisas, informaram que a sua primeira relação sexual havia sido forçada. Os esposos, companheiros, namorados e outros parceiros eram os agressores informados com maior frequência nas pesquisas com tais indicadores.
A exposição à violência na infância aumenta o risco de outras formas de violência em etapas posteriores da vida e tem importantes efeitos intergeracionais negativos:
A exposição à violência na infância pode ter efeitos de longo prazo e intergeracionais. A prevalência da violência por parte do esposo/companheiro era significativamente maior (em geral umas duas vezes maior) entre as mulheres que informaram ter sido maltratadas fisicamente na infância na comparação com aquelas que não tinham passado por tais violências na infância.
A proporção de mulheres que informaram que seu pai (ou padrasto) agredia a sua mãe (ou madrasta) variava amplamente segundo o país, entre a oitava parte (12,6 %) no Haiti, em 2005/6, e quase a metade (48,3 %) na Bolívia, em 2003. Em sete de 13 países, a quarta parte ou mais das mulheres informaram exposição a algum tipo de violência doméstica.
A impunidade frente aos crimes cometidos contra as mulheres e as meninas e a alta tolerância social com a violência contra elas posicionaram a América Latina e Caribe como a região com mais assassinatos de mulheres. De acordo com a Convenção de Genebra, no seu relatório de 2011, dos 2,5 países com mais altas taxas de feminicídio, 14, mais de 50%, estão na América Latina e Caribe. Calcula-se que, no Brasil, a cada 6 horas uma mulher é assassinada por um agressor conhecido.
Na Colômbia, a cada 6 dias, uma mulher é assassinada pelas mãos de seu companheiro ou ex-companheiro. No México, um recente estudo sobre as tendências dos últimos 25 anos do Instituto Nacional das Mulheres e ONU Mulheres demonstra que, mesmo com reduções das taxas de assassinatos de mulheres, segue, de maneira preponderante, os crimes cometidos por companheiro e ex-companheiro.
Para muitas pessoas, as reivindicações das mulheres, nos últimos anos, significam que estas violações sistemáticas dos direitos humanos são coisa do passado. Mas lembremos que, em âmbito mundial, 35% dos assassinatos de mulheres são cometidos por parceiro, comparado com 5% para os homens de acordo com estudos preliminares da Organização Mundial da Saúde. Esses cálculos devem ser vistos como modestos porque não há informação comparável entre os países, o que alimenta a cultura da impunidade.
Como explicou a relatora especial das Nações Unidas para Eliminação da Violência contra as Mulheres, suas causas e consequências, os assassinatos de mulheres relacionados com gênero, mais do que uma nova forma de violência, constituem a manifestação extrema das formas de violência que existem contra a mulher. Não se trata de incidentes isolados que ocorram de maneira repentina e imprevisto. São os últimos atos de violência que acontecem numa violência contínua.
Ao ver de maneira sistemática a violência que acontece no Brasil e no resto da América Latina, não podemos deixar de ver as correlações entre os crimes cometidos contra as mulheres pelo fato de serem mulheres, incluindo o estupro, com altas taxas de feminicídio em âmbito nacional e regional.
Portanto, fazemos um chamado para garantir o devido acesso aos serviços de atenção e proteção às vítimas, assegurando que incorporem a devida perspectiva de gênero e preservem a segurança, a dignidade e a privacidade das vítimas, evitando expô-las novamente a situações de risco e revitimização.
Assim, convidamos para uma reflexão profunda e urgente sobre a cultura da impunidade e tolerância a essas agressões, dos valores culturais e modelos negativos de masculinidade que estão por trás desses atos, que reproduzem e garantem condutas de agressão, dominação e violência contra mulheres e meninas.
Luiza Carvalho
Diretora regional da ONU Mulheres para Américas e Caribe
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