Brasil não aplica integralmente lei do feminicídio, alertam experts

07 de novembro, 2017

Dos 4.657 crimes violentos e letais praticados intencionalmente contra brasileiras em 2016, só 11% tiveram tipificação que aumenta a pena

(Metrópoles/DF – 07/11/2017 – acesse aqui)

A estudante Raphaella Noviski, 16 anos, assistia à primeira aula de segunda-feira (6/11), na turma do 9º ano da Escola Estadual 13 de Maio, em Alexânia (GO), quando foi surpreendida pelo vizinho Misael Pereira, 19. Com um revólver calibre .32 em mãos, o rapaz desferiu 11 tiros contra Raphaella, todos no rosto. A vítima morreu na hora. O agressor, que havia invadido a escola, foi detido pela polícia minutos depois. Justificou o crime com o “muito ódio” que disse sentir pela adolescente: cortejada pelo jovem, ela o havia rejeitado diversas vezes.

O assassinato de Raphaella foi enquadrado pela delegacia que conduz as investigações do caso como feminicídio. Criado em 2015, o tipo penal é um qualificador do homicídio, podendo agravar a pena para uma reclusão de 12 a 30 anos quando a motivação está na condição do sexo feminino da vítima. Segundo dados do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 533 mulheres foram vítimas de feminicídio no país em 2016. O número de casos, contudo, pode ser bem maior, apontam especialistas.

“Brasil afora ainda existe uma dificuldade de enquadramento jurídico do crime. A definição de feminicídio é bem recente e muitos operadores do direito ainda não fazem essa tipificação”, explica o presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Cássio Thyone. No ano passado, de acordo com o Anuário, o Brasil registrou 4.657 crimes violentos e letais praticados intencionalmente contra mulheres. Apenas 11,4% deles foram enquadrados como feminicídio.

Segundo Cássio Thyone, fatores relacionados ao protocolo investigativo e ao despreparo das forças de segurança dificultam a classificação de homicídios motivados pela condição do sexo feminino. “Nesse universo de 4.657, muitos crimes sequer foram objeto de uma investigação propriamente dita. Inquéritos esvaziados, pobres em informação, não vão permitir uma caracterização do crime”, afirma.

Entre os estados listados pela pesquisa, 10 afirmaram não possuir informações sobre crimes de feminicídio. “É importante que existam estatísticas e que se investigue essas mortes desde o início como motivadas por questões de gênero, como evolução de um ciclo de violência”, aponta a promotora de Justiça e integrante do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do Ministério Público de São Paulo, Maria Gabriela Manssur.

O assassinato de Raphaella pode ser considerado por especialistas como um exemplo “clássico” de feminicídio, em que há, segundo a promotora, uma tentativa de humilhar, subjugar e desqualificar a vítima, estabelecendo uma relação de poder. Em outros casos, contudo, a conclusão nem sempre é tão clara. “O que observamos é que há uma banalização da violência contra a mulher, e isso não pode acontecer nunca. Temos sempre que verificar se houve motivos para classificar o crime como feminicídio”, diz.

Congresso Nacional
Criada há apenas dois anos, a previsão legal do feminicídio como agravante penal pode ser ameaçada por uma sugestão pública de projeto de lei em tramitação no Senado. De autoria do mineiro Felipe Medina, a ideia legislativa nº 73.169 propõe a retirada do termo do código penal brasileiro. Após registrar mais de 20 mil manifestações, a proposta produziu uma consulta popular, aberta em 30 de outubro pelo Congresso, e foi encaminhada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado.

De acordo com o autor, a lei, “sancionada como se as mulheres morressem por serem mulheres”, fere o princípio da igualdade constitucional. “Não temos lesbicocídio, gaycídio, masculinicidio, muito embora, mesmo que possivelmente menos frequentes, crimes passionais ocorram em todos os gêneros e tipos de relação”, escreve Medina na apresentação da proposta.

Encaminhada em 4 de setembro à comissão, a matéria teve sua relatoria avocada pela presidente do colegiado, senadora Regina Sousa (PT-PI). “Passou-se tanto tempo para consolidarmos uma posição sobre o tema, para garantir a punição para um crime que vitima mulheres de todos os estratos sociais, e vamos retirar o termo da lei agora?”, comentou Regina ao Metrópoles.

Segundo a senadora, a legislação é “resultado da luta das mulheres e não há razão alguma para permitir que isso seja modificado”. Até o momento da publicação desta matéria, a consulta popular registrava apoio de apenas 29% dos participantes.

Por Liana Costa

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