Para definir as melhores práticas no combate à violência de gênero, Banco Mundial e universidade norte-americana analisaram 290 campanhas sobre o tema. O organismo financeiro conclui que iniciativas devem ser duradouras, envolver toda a comunidade e não apenas possíveis vítimas ou agressores, além de combater machismo dentro de instituições do Estado.
(ONU Brasil, 10/10/2016 – acesse no site de origem)
Campanhas para combater a violência contra as mulheres devem questionar papeis de gênero e promover ações duradouras de conscientização. A conclusão é de um estudo realizado pelo Banco Mundial e pela Universidade norte-americana George Washington para definir as melhores práticas contra agressões ao público feminino. Das 290 iniciativas analisadas, apenas 27 conseguiram concretamente reduzir violações dos direitos humanos.
A pesquisa revela que projetos de formação e comunicação bem-sucedidos envolvem toda a comunidade e não apenas autoridades públicas, embora capacitações e intervenções junto a organismos estatais como o judiciário também sejam recomendadas para reduzir o machismo dentro das próprias instituições.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que uma em cada três mulheres já sofreu violência física ou sexual. Na América Latina, uma pesquisa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) descobriu que, em 12 países, de 25% a 50% das entrevistadas haviam sido vítimas dos próprios parceiros.
Mulheres e homens — mesmo que não formem casais —, jovens, adultos e idosos devem ser considerados parte do público-alvo de campanhas sobre violência de gênero. Segundo o estudo, crianças que crescem convivendo com agressões domésticas têm duas vezes mais chances de se tornarem agressoras ou vítimas que as demais.
Para dar certo, as atividades também precisam ser extensas. A análise conclui que são necessários pelo menos seis meses para engajar os indivíduos. Ao longo desse período, é recomendada a realização de ações uma ou duas vezes por semana.
Quatro ideias para promover a #igualdadedegênero e acabar com a violência https://t.co/TXh9SBRZco pic.twitter.com/cp4gUettZa
— Banco Mundial Brasil (@bancomundialbr) 4 de outubro de 2016
“Iniciativas de curto prazo, como um treinamento de uma semana onde uma pessoa chega, pensa que vai mudar as normas e atitudes de um grupo, vai embora e não dá continuidade, não funcionam. Esse é um tipo de intervenção que não deveria mais ser feito”, explica a especialista do Banco Mundial em violência de gênero e desenvolvimento, Diana Arango.
Para o Banco Mundial e a Universidade George Washington, as campanhas devem abordar estereótipos, discutir relações de poder entre homens e mulheres e propor maneiras não violentas de resolver conflitos.
Os dois organismos também recomendam que reformas da lei sejam discutidas, tendo em vista a adoção de novas legislações voltadas para as particularidades da violência de gênero. Atenção à vítima, divórcio, custódia dos filhos, direitos à propriedade, idade mínima para casamento e consentimento sexual são algumas das áreas onde novas políticas públicas devem ser implementadas — no caso dos países que ainda carecem de normas específicas.
Outra descoberta do levantamento é de que a distribuição de renda voltada a redução das desigualdades de gênero, como programas de microcrédito exclusivos para mulheres, não funcionam por si só.
“É importante que elas também contem com grupos de discussão sobre empoderamento, direitos, relações no lar”, afirma a especialista.
Para estimular a conversa, cartazes, vídeos, histórias em quadrinhos e peças de teatro têm um papel importante. Mas é preciso que o conteúdo esteja em sintonia com o jeito local de se comunicar e faça repensar, a longo prazo, as relações entre homens e mulheres. Do contrário, será apenas mais uma campanha a ser esquecida quando terminar, conclui o Banco Mundial.
Faltam estudos sobre iniciativas da América Latina
Das 27 campanhas consideradas bem-sucedidas pelo Banco Mundial, 80% vêm de países desenvolvidos, sobretudo dos Estados Unidos e do Canadá.
“Não é que não existam boas iniciativas nos países em desenvolvimento ou na América Latina, mas muitas delas acabam não sendo objeto de artigos acadêmicos com avaliações de impacto como os que estudamos”, destacou Diana.
Segundo a especialista da agência da ONU, é a falta dessas avaliações que explica a ausência da Lei Maria da Penha no estudo, embora a legislação seja reconhecida como um modelo global.
“Ao traduzir nossos dados em recomendações práticas, descobrimos que as iniciativas de sucesso têm muitos elementos em comum com a Lei, como o enfoque multissetorial (ou seja, que envolve os setores de justiça, saúde, etc.)”, afirma.