Como as maiores universidades do mundo combatem o assédio sexual no campus

28 de julho, 2016

(Nexo, 28/07/2016) Manuais de conduta específico e fluxos transparentes de denúncia e investigação estão sendo adotados para coibir assédio de professores e funcionários contra alunos

A Universidade de Califórnia-Berkeley, nos Estados Unidos, enfrentou nos últimos anos uma onda de denúncias de assédio sexual. Funcionários, professores e até um reitor foram acusados, em casos diferentes, de conduta inapropriada com alunos e com outros funcionários.

Os escândalos causaram a renúncia do reitor Sujit Choudry. Ele foi acusado por uma secretária de condutas inapropriadas e contato físico não solicitado, como beijos e abraços. Sujit disse que os gestos eram uma maneira de agradecer a funcionária e demonstrar apoio emocional, embora não fizesse o mesmo com funcionários homens.

Além dele, pelo menos 18 funcionários da UC-Berkeley teriam violado a política interna de conduta da universidade com a relação a assédio sexual desde 2011.

O cenário na UC Berkeley não é isolado. Nos últimos anos, centenas de casos de assédio sexual e estupros em universidades norte-americanas têm vindo à tona, e em muitos deles os abusadores são parte da equipe da instituição. Além disso, casos de abuso e discriminação no ambiente acadêmico são alvo de estudos de no mundo todo.

Todas as histórias guardam semelhanças: em muitos casos, vítimas são culpabilizadas e desencorajadas a denunciar, por medo, receio ou intimidação. No caso de abusos perpetados por professores e alunos, no entanto, há um agravante: as vítimas se sentem ainda mais intimidadas diante de um abusador que tem poder simbólico dentro do ambiente acadêmico. Os manuais foram editados com o objetivo de coibir esses casos.

Impunidade

Além disso, o histórico sobre a maneira como as universidades lidam com as acusações e até punições a seus próprios funcionários também não estimulam as denúncias.

No caso da UC Berkeley, por exemplo, o reitor acusado de abuso só foi afastado oito meses depois – e isso aconteceu por pressão da diretora do sistema de Universidades da Califórnia, Janet Napolitano, que ouviu falar do caso pela imprensa e não foi informada internamente sobre a investigação.

Diante desses casos, universidades norte-americanas e na Inglaterra, por exemplo, formaram conselhos para produzir e publicar manuais de conduta para evitar assédio e discriminação no ambiente acadêmico e facilitar denúncias, especialmente em casos cometidos por professores e funcionários.

A ideia é que políticas mais claras de prevenção e conscientização sobre situações de abuso e assédio, além de processos claros para denúncia e investigação, possam coibir esse tipo de crime na universidade.

Facilitando as denúncias

As denúncias mais recentes e as evidências de que a UC Berkeley falhou em proteger as vítimas e investigar os casos levou à criação de um comitê interno de violência sexual, abuso e assédio.

Desde janeiro de 2016, a UC Berkeley tem um fluxograma em seu site oficial para orientar o aluno, passo-a-passo, sobre o processo denúncia e investigação de assédio sexual dentro da universidade.

“Precisamos melhorar nossas políticas e práticas e a cultura desse campus”, disse o porta-voz da Universidade, Dan Mogulof, ao jornal The Guardian, em abril de 2016.

“Assédio é definido como uma conduta que é tão severa e/ou pervasiva, e objetivamente ofensiva, a ponto de limitar o acesso do indivíduo a programas ou atividades universitárias, de fazer com que a pessoa se sinta efetivamente proibidade de ter acesso igualitário aos recursos da universidade baseada em sua raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, gênero, religião, idade, orientação sexual, sexo, estado civil […]”
Definição de “assédio” no manual de conduta da UC Berkeley

O manual de conduta para assédio sexual da Universidade também foi atualizado. O documento já existia antes, mas as denúncias mostraram, no entanto, que membros do corpo docente acusados de assédio raramente recebiam as punições mais severas previstas no código, como suspensão, redução salarial ou expulsão.

Algumas vítimas moveram processos contra a UC Berkeley, reclamando das punições desproporcionais das vítimas e da processos de investigação demorados e não muito claros.

Outras universidades de prestígio, como a Yale, nos EUA, e Oxford, na Inglaterra, também publicaram recentemente manuais de conduta mais completos sobre sua política de prevenção e investigação de denúncias de assédio.

O encorajamento das denúncias é uma parte importante do processo de prevenção desse tipo de crime na universidade. O motivo é que as estatísticas sobre assédio em campus nos EUA não são consideradas confiáveis justamente pela falta de processos e políticas claras de denúncia – o que reduz significativamente o número de casos que vêm à tona.

E como é no Brasil?

Em abril de 2016, estudantes da Universidade Mackenzie, em São Paulo, se organizaram em uma campanha para expôr situações de assédio sexual de professores contra alunos na faculdade.

Elas imprimiram frases sexistas e abusivas que professores teriam dito para mulheres em sala de aula ou no ambiente acadêmico.

A campanha foi motivada por um comentário de um professor que fazia piada das vítimas do médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão em 2010 por estuprar e assediar 56 pacientes.

Outra campanha, também iniciada por estudantes, compilava relatos de assédio e moral por parte de professores de medicina com a hashtag #MeuProfDr.

Nas universidades públicas brasileiras, não é comum que existam políticas específicas e claras de conscientização, denúncia e investigação de assédio sexual cometido por funcionários e professores.

O código de ética da USP, por exemplo, só contempla ligeiramente essa questão quando diz que é proibido, para o docente, “criar situações embaraçosas ou desencadear qualquer tipo de perseguição ou atentado à dignidade da pessoa humana.”

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