Como a violência verbal afeta as mulheres no trabalho

22 de maio, 2017

Se você é mulher, certamente já percebeu esse tipo de situação alguma vez no ambiente de trabalho. Uma profissional está em uma reunião, apresentando um projeto aos colegas ou à chefia. No auge da sua fala, um colega homem a interrompe e assume a exposição – como se ela estivesse sendo incapaz de tocar sua argumentação –, apropriando-se de uma ideia que ela já havia pontuado e levando o crédito por ela. Ou ainda: em uma discussão em equipe, essa profissional dá uma sugestão sobre como solucionar um problema ou atingir a meta do mês. Ela termina de falar, é ignorada e a reunião prossegue como se ela não tivesse dito nada.

(Exame, 22/05/2017 – acesse no site de origem)

Em outra situação, em que há dois homens conversando e uma mulher no grupo, quando ela tenta fazer um comentário, eles se viram para ela e explicam algo óbvio, dando a entender que ela não domina o assunto apenas por ser mulher. Parece casual? Cada vez mais especialistas acreditam que não e dão até um nome para esse tipo de situação – violência verbal.

No estudo Sex Roles, Interruptions and Silences in Conversations, os sociólogos Don Zimmerman e Candace West, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, analisaram 31 diálogos gravados em lugares públicos como cafés, farmácias e campus universitários. Eles descobriram que, enquanto nas conversas entre pessoas do mesmo sexo aconteceram sete interrupções no total, nas conversas entre homens e mulheres, foram 48 interrupções – 46 delas feitas por um homem, no meio da fala de uma mulher. Outra pesquisa, realizada em 2014 pela Universidade George Washington, mostra que, durante um diálogo, os homens interrompem as mulheres 33% mais do que quando eles estão falando com outro homem.

Nem poderosas líderes mundiais escapam do constrangimento. Segundo um levantamento do portal americano de notícias Quartz, durante o primeiro debate presidencial entre Hillary Clinton e Donald Trump, em setembro de 2016, o republicano interrompeu a candidata democrata em 51 momentos. O caso serviu de inspiração para a criação do aplicativo Woman Interrupted, lançado em março pela agência BETC São Paulo. A finalidade da plataforma é contabilizar quantas vezes uma mulher é interrompida durante sua fala por um homem, o chamado “manterrupting” (veja quadro).

Em consequência de práticas como essas, as mulheres são as que menos se pronunciam em reuniões no mundo corporativo. Em 2012, o pesquisador Christopher Karpowitz, da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, descobriu que homens falam, em média, durante 75% do tempo em discussões de trabalho. O silenciamento pode ser percebido também pela quantidade de mulheres que evitam admitir situações em que se sentiram constrangidas ou desrespeitadas em função de questões de gênero. Uma pesquisa global realizada pelo instituto Ipsos em 24 países, entre janeiro e fevereiro de 2017, mostra que 26% das mulheres, em todo o mundo, têm receio de defender seus direitos e lutar pela equidade de gênero. No ranking geral, o Brasil ocupa o terceiro lugar como país onde as pessoas mais temem tocar no assunto (36%), ficando apenas atrás de Índia (50%) e Turquia (39%).

O que fazer

Reconhecer e identificar a violência verbal no ambiente de trabalho é difícil para a maioria das mulheres. Primeiro porque elas são ensinadas socialmente a ignorar essa questão. Segundo, porque muitas não querem ser vistas como “frágeis” ou “frescas”, ao apontar o comportamento do colega. Mas fazer isso é o primeiro passo para uma mudança de atitude. “A violência de gênero não é só física, ou por xingamentos, mas envolve toda uma cultura onde existem papéis predeterminados para homens e mulheres e que afetam a forma como somos tratadas”, diz Itali Collini, co-fundadora do GENERA – Núcleo de Pesquisa em Gênero e Raça da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, em São Paulo.

Para tomar consciência dela, é preciso prestar atenção aos detalhes, para perceber agressões mascaradas em forma de tratamento diferenciado, como infantilização ou desvalorização da mulher. Essas situações interferem no desenvolvimento dela como profissional, causando queda de rendimento por baixa autoestima e sensação de incompetência para o trabalho.

Para saber se pode estar sendo vítima do problema, vale conhecer os diferentes tipos de violência verbal: a agressão, quando há um ataque direto e explícito; a violência não-verbal, demonstrada através da elevação do tom de voz (para cobrir ou interromper a fala da mulher, por exemplo) ou de gestos que indiquem desmerecimento; e a desqualificação verbal, quando o receptor não dá importância e até mesmo ignora a mensagem que a profissional está tentando passar. “A mesma coisa dita por um homem tem um peso diferente quando é dita por uma mulher, que, para ser ouvida, precisa estar muito mais sustentada em argumentos e mostrar exemplos, coisa que nem sempre é exigida do homem”, diz Fátima Motta, doutora em Ciências Sociais e professora de gestão de competências e liderança de mudanças na ESPM.

A etapa seguinte ao reconhecimento é a verbalização do problema, para evitar a continuidade da situação. “A mulher pode replicar, lembrando que foi ela quem deu essa ideia há pouco ou pedindo com educação para terminar seu raciocínio”, diz Maria José Tonelli, professora de diversidade de gênero da FGV, de São Paulo. “Não fique à mercê dos outros: reconheça seu valor e a importância do que está dizendo, não duvidando de si mesma nem se deixando fragilizar por qualquer comentário”, afirma Fátima Motta.

Voz grossa

Segundo Mara Behlau, fonoaudióloga e professora do Insper, em São Paulo, é comum que as mulheres adotem um tom de voz que faz com que soem dóceis, por causa da crença de que precisam parecer cordiais e amáveis para ser ‘femininas’. “Esse tom, entretanto, afeta a capacidade de parecerem enfáticas”, afirma Mara. Um efeito colateral dessa percepção, entretanto, foi detectado pela fonoaudióloga em seus estudos. Ela observou que as mulheres têm adotado um tom de voz mais grave para serem ouvidas e ter mais poder no ambiente de trabalho.

Um exemplo disso é que, para se impor em um ambiente político dominado por homens, líderes políticas como Hillary Clinton e a premier alemã Angela Merkel usam um tom até mais grave do que a média masculina — 205Hz, ante 120Hz da média masculina. Segundo a fonoaudióloga, isso acontece porque, de acordo com estudos, pessoas com timbres mais graves passam a impressão de serem mais confiáveis. Mara diz que, em seus estudos, não encontrou até hoje nenhuma profissional em posição de liderança com voz mais aguda. “A mulher precisa alinhar sua intenção ao seu pensamento e atitude. Se ela está falando algo sério, precisa ter voz grave para passar credibilidade”, afirma.

No Brasil, uma das que recorreram a essa tática foi a empresária Tathiane Deândhela, de 32 anos, hoje diretora do Instituto Deândhela, organização de treinamento empresarial de Goiânia. Há cinco anos, quando trabalhava como diretora comercial em uma faculdade da capital goiana, Tathiane percebia que era tratada de forma diferente pelos colegas por ser a única mulher na diretoria. Ela sentia que era ignorada pelos pares, que frequentemente não ouviam seus apontamentos ou se apropriavam de suas ideias. “Um dos donos da faculdade sempre batia de frente comigo, mas, quando se dirigia aos diretores homens, nunca discordava diretamente, era sempre com mais ‘jeitinho’”, diz ela.

Após assistir ao filme A Dama de Ferro, que conta a trajetória de Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra do Reino Unido, ela resolveu buscar ajuda na fonoaudiologia para ser mais ouvida no trabalho. Com os exercícios de voz, ela sentiu uma diferença de tratamento ao transmitir suas ideias maior convicção. “Eu sempre tive um jeito muito diplomático, era insegura e tinha a voz muito fina, mas percebi que ter um tom mais grave e falar com mais firmeza me fizeram passar mais credibilidade”, diz. De acordo com Mara Behlau, aliás, apenas “engrossar” a voz não basta: é preciso que a profissional seja assertiva, falando com firmeza e dando respostas diretas. “A assertividade é difícil de ser atingida, ela é o meio do caminho entre a submissão e agressividade”, diz.

Agressividade

Para saber se você trabalha num ambiente de violência verbal, vale conversar com suas colegas para entender se estão passando pelo mesmo ou se notaram casos assim. O objetivo é avaliar se a situação é isolada, causada por um estresse momentâneo, ou se as agressões são constantes e merecem ser levadas a um superior ou ao RH da empresa, que deve cuidar para valorizar a importância da comunicação não-violenta no trabalho. A chefia não pode permitir que a comunicação com sua equipe seja hostil. “Um lugar competitivo não pode ser sinônimo de agressivo: a competitividade é para alcançar o melhor, já a agressividade deixa o ambiente tóxico. Muitas vezes o protagonista da agressão verbal acredita que está no controle por causa disso, mas não está”, diz Mara Behlau.

A corporação tem que assumir um papel mediador e educador para instruir os funcionários sobre tais ruídos na comunicação. “Muitas vezes os homens não ouvem outras mulheres, mas os seus iguais. Por isso, como profissional homem, é interessante observar suas próprias atitudes e passar a mensagem adiante a outros homens”, diz Itali Collini. Algumas empresas já dão os primeiros passos na prevenção à violência verbal. Janet Baireva, diretora de produtos da OLX, conta que, durante as reuniões, os líderes da empresa são orientados a valorizar menos a hierarquia e a gritaria na hora de argumentar, e mais quem traz os melhores pontos de vista. “Nosso trabalho, como gestores, é fazer com que todas as vozes sejam ouvidas. Por isso, não damos muito valor para quem fala mais alto e tentamos dar espaço para quem traz mais dados e evidências do seu projeto”, diz Janet.

Para os especialistas, as interrupções da fala feminina são um bom exemplo de como o diálogo sobre diversidade e questões de gênero ainda precisa ser trabalhado nas empresas. “Se não dermos pequenos passos, não vamos conseguir criar uma mentalidade diferente no longo prazo, mostrando que não é uma questão individual e sim generalizada, que precisa mudar”, afirma Itali Collini.

Confira a seguir a definição para cada situação de violência verbal vivida no trabalho:

Manterrupting (man/homem + interrupting/interrupção): termo usado para definir as situações em que uma mulher não consegue concluir seu raciocínio por causa de constantes interrupções masculinas

Bropriating (brother/irmão + appropriating/apropriação): quando o homem se apropria de uma ideia apontada pela mulher e leva crédito por ela durante uma reunião

Mansplaining (man/homem + explaining/explicando): quando um colega explica para a mulher algo óbvio ou sobre um assunto em que ela é especialista, como se ela não fosse capaz de entender por ser mulher

Gaslighting: derivado da peça teatral Gas Light (1938), em que o protagonista tenta convencer sua esposa de que ela está alucinando, o termo designa a manipulação psicológica para tratar a mulher como incapaz. Um exemplo é quando uma mulher aponta um problema no ambiente de trabalho e o homem desmerece o argumento, insistindo que o problema não existe ou não é importante.

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