Crimes por drogas representam 64% das prisões de mulheres

20 de setembro, 2016

Crescimento do número de prisões entre elas é maior que entre homens

(O Globo, 20/09/2016 – acesse no site de origem)

No Brasil, a probabilidade de uma mulher presa ter ido para a cadeia por crime relacionado a drogas é 2,46 vezes maior do que entre os homens encarcerados. Em 2014, 64% das mulheres presas estavam nessa situação pela prática de crimes de drogas – como o tráfico ou o estoque de substâncias ilícitas. Entre os homens, a taxa era de 26%. Entre os presos dos dois gêneros, aumentou a ocorrência de crimes relacionados a drogas. Em 2005, 49% das condenações que resultaram em mulheres presas eram referentes a crimes de drogas. Para os homens, o índice era de 13% em 2005.

A conclusão está em uma pesquisa do Instituto Igarapé, que fez uma análise dos números do Sistema Integrado de Informação Penitenciária (Infopen), do Ministério da Justiça. Entre outras atividades, o instituto monitora o andamento na América Latina na introdução de políticas de drogas alternativas. Os dados serão divulgados em um evento em São Paulo na próxima semana.

O mesmo estudo mostra que, ao completar dez anos, a Lei de Drogas deixou de cumprir um de seus principais objetivos, que era o de diminuir a quantidade de prisões por esse tipo de crime. Em 2006, quando a lei passou a vigorar, 15% dos crimes cometidos no país e que resultaram em prisão eram referentes a drogas. Em 2014, esse índice saltou para 28%. Entre 2005 e 2014, a taxa de crescimento anual média da população carcerária que cometeu crime relacionado a drogas foi de 18,1%. Quando analisados os demais crimes, essa taxa é de 7,8%.

Para a pesquisadora Ana Paula Pellegrino, do Instituto Igarapé, a Lei de Drogas trouxe avanço ao mudar o tratamento dispensado a usuários, que antes podiam ser condenados à prisão e hoje são sentenciados a, no máximo, realizar serviços comunitários.

— Mas o que vimos nesses últimos 10 anos é que isto não foi o suficiente. Passada essa década, podemos identificar faltas importantes. A principal delas é o fato de o uso de drogas ainda ser considerado crime no Brasil. Isso tem funcionado como entrave ao acesso a serviços de saúde por quem deles precisa — avalia Ana Paula.

De um modo geral, o crescimento do número de prisões entre as mulheres é maior que entre homens, independente do tipo de crime cometido. Entre 2005 e 2014, a população carcerária aumentou 6,1% no Brasil. A taxa de aumento das mulheres é de 6,8% por ano, em média. A dos homens é de 6%. O aumento da população carcerária, em especial a feminina, incomoda a ministra Cármen Lúcia, que assumiu, na semana passada, a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). À frente dos órgãos, ela quer priorizar a atenção às mulheres presas.

PRESIDENTE DO STF PEDIU PRIORIDADE A GOVERNADORES

Na última terça-feira, em reunião com os 27 governadores, Cármen pediu a todos eles que priorizem a construção de centros de referência à mulher no sistema prisional de cada estado. Todos os governadores se comprometeram com a ministra. Os centros são uma forma diferenciada de abrigar as detentas grávidas ou com filhos pequenos, nos moldes da instituição que hoje funciona em Belo Horizonte.

A partir do sexto mês, as grávidas presas são transferidas para o local, que oferece tratamento médico adequado e celas sem grades. Elas podem ficar na instituição até a criança completar um ano, quando a mãe volta para a prisão tradicional e a guarda da criança é transferida para outros familiares.

Hoje, muitas prisões não têm área separada para essas pessoas, o que resulta na criação dos filhos das presas no ambiente prisional clássico brasileiro, com direito a todas as mazelas. Na reunião, a ministra chegou a comparar a situação das crianças nascidas na prisão à escravidão. Disse que era como se não tivesse sido sancionada no país a Lei do Ventre Livre.

Muitas prisões podem ser evitadas no futuro, a depender de um julgamento que foi suspenso no STF em setembro. Na ocasião, três dos onze ministros já tinham votado pela liberação do porte de maconha para uso pessoal: Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Os três declararam inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, que considera criminoso quem adquire, guarda, transporta ou leva consigo drogas para consumo pessoal.

O ministro Teori Zavascki pediu vista, adiando o fim do julgamento para data ainda sem previsão. Outros oito ministros ainda vão votar – portanto, há possibilidade de reviravolta na tendência atual do STF. No voto, Barroso sugeriu que o tribunal fixe 25 gramas do produto como quantia limítrofe para distinguir usuários de traficantes. Ele também afirmou que o usuário poderia cultivar, no máximo, seis plantas fêmeas de maconha. As quantidades foram inspiradas na legislação de Portugal e do Uruguai.

Barroso ressaltou que essas quantias são apenas parâmetros. Na análise de casos específicos, pode haver exceção, dependendo da situação da prisão ou do histórico da pessoa, por exemplo. A regra valeria até o Congresso Nacional aprovar norma sobre o assunto. Na avaliação de Barroso, a falta de regra objetiva para diferenciar usuários de traficantes tem efeito cruel, porque resulta na condenação massiva de pobres por tráfico, enquanto moradores de áreas nobres flagrados com droga são tratados como usuários.

A pesquisadora Ana Paula Pellegrino reclama da falta de critérios objetivos de distinção entre o porte para consumo pessoal e para tráfico, um dos maiores motores por trás do crescimento no encarceramento por crimes de drogas.

— A maioria desses presos foram flagrados portanto pequenas quantidades de drogas, desarmados, e falta ao policial, geralmente a única testemunha, essa orientação sobre como caracterizar o uso de drogas. Acabamos prendendo como traficantes quem poderia ser considerado usuário — diz Ana Paula.

Em junho, o STF tomou decisão que também pode mudar a quantidade de presos por crimes de drogas no país. Ficou fixado que não é hediondo o tráfico de drogas praticado por réu primário, com bons antecedentes e que não participe de organização criminosa. Em todos os outros casos, o tráfico de entorpecentes continua sendo crime hediondo. Se o condenado tiver os atenuantes, ele poderá ter tratamento privilegiado. Um exemplo é começar a cumprir a pena no regime semiaberto, em que o preso pode sair durante o dia para trabalhar e voltar à noite, para dormir na cadeia. Os condenados em crimes hediondos sempre iniciam a pena em regime fechado.

Para tomar a decisão, os ministros levaram em conta o tratamento individualizado da pena. Segundo a maioria do tribunal, iniciantes no mundo no crime, ou mesmo pessoas que foram levadas a cometer uma ilegalidade em um contexto isolado, não poderiam ser tratadas da mesma forma que criminosos experientes. Nas discussões, foi ressaltada a situação de mulheres condenadas por tráfico por servirem de “mulas” (transportadoras) da droga por ordem do cônjuge. Também foi considerada a superlotação das cadeias, que poderá ser aliviada com mais presos em regimes mais brandos.

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