O Observatório da Mulher contra a Violência do Senado promoveu nesta terça-feira (20) um debate entre especialistas que estudam e trabalham com o tema. O foco da discussão foram os obstáculos no combate à violência contra as mulheres.
(Agência Senado, 20/09/2016 – acesse no site de origem)
Olaya Hanashiro, coordenadora de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destacou que o problema mais recorrente identificado em pesquisas e estudos é a falta de preparo adequado dos órgãos e agentes públicos para o atendimento às vítimas. Segundo ela, a polícia e a justiça não executam um bom trabalho de acolhimento, aumentando a sensação de desamparo das mulheres vitimadas.
— A população não confia no atendimento das instituições policiais. Uma das coisas que afastam a mulher é a falta de adequação do equipamento público. O sistema não sabe recebê-la adequadamente e ela acaba sendo ‘re-vitimizada’.
Conforme Hanashiro, Essa barreira provoca o recrudescimento de um dos maiores problemas relativos à violência contra as mulheres, que é a subnotificação. Ela citou um dado de 2014 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), segundo o qual apenas 10% dos casos de estupro no Brasil são reportados pelas vítimas.
Marina Pinheiro, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apresentou os resultados de uma pesquisa recente conduzida pelo órgão a respeito de como as mulheres brasileiras se sentem em relação à própria segurança. O estudo mostrou que 85% delas têm medo de serem vítimas de algum tipo de agressão sexual, e que mais da metade da população feminina brasileira acham que as polícias militar e civil estão despreparadas para lidar com esse tipo de crime.
Na mesma linha, Marcos Ruben, coordenador do Instituto Datasenado, apresentou dados da séria histórica de pesquisas a respeito do tema da violência contra a mulher. De acordo com os dados coletados pelo instituto ao longo de 11 anos, a parcela da população para a qual a mulher é tratada com respeito no Brasil tem oscilado abaixo de 10%, estando hoje em apenas 5%. A percepção de que a legislação protege as mulheres cresceu após a promulgação da Lei Maria da Penha, mas 51% dos cidadãos ainda acreditam que essa proteção é apenas parcial.
Ainda de acordo com os dados apresentados por Marcos Ruben, as mulheres que trabalham fora têm 77% mais chances de denunciar o agressor do que as que não trabalham. Além disso, a mulher com nível educacional fundamental tem 185% mais chances de ser vítima de violência quando comparada à que obteve curso superior.
Modalidades
Daniela Grelin, gerente do Instituto Avon, apontou como outro obstáculo ao combate à violência contra as mulheres o fato de existirem modalidades de agressão e maus-tratos que não são reconhecidos como tal. Ela ressaltou que não é apenas a violência física e sexual, o que contribui para a insegurança das mulheres.
— Em muitos casos, a vítima sequer se reconhece como vítima e sequer reconhece as diferentes formas de violência. Existe pouca consciência sobre a violência psicológica, moral, patrimonial… A expansão do conhecimento da sociedade sobre essas diferentes formas e como elas interagem no ciclo da violência é fundamental para a solução do problema.
Ela destacou que o instituto onde trabalha, ligado à iniciativa privada, se dedica a apoiar ações de capacitação de agentes públicos que lidam diretamente com o atendimento a mulheres vítimas de violência — policiais, juízes, promotores, delegados — e a incentivar a participação integrada da sociedade com o poder público na área.
Ela também aproveitou para divulgar recursos tecnológicos recentes que servem como um suporte para mulheres em situação de risco: o Ligue 180, central de atendimento para denúncias e orientações, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Ministério da Justiça e Cidadania; e o aplicativo para celulares PLP 2.0, que permite à mulher acionar instantaneamente uma rede de contatos caso se encontre em situação de risco.
Cultura
O Observatório da Mulher contra a Violência também ouviu a Dra. Fiona Macaulay, professora da Universidade de Bradford, na Inglaterra, especializada em questões de gênero. Ela afirmou que a violência contra a mulher é fruto de uma reprodução socialmente tolerada de comportamentos violentos por parte dos homens, e observou que, sem compreender esse aspecto, qualquer tentativa de abordar o problema não será eficiente ou precisa.
— A questão de como os homens experimentam a violência tem que entrar em toda política de prevenção. A violência tem uma função social para o homem. Ele precisa dela para sobreviver entre outros homens. É uma questão de status e identidade.
Ela disse haver necessidade de uma mudança cultural em relação ao conceito de “masculinidade”, através de uma educação contínua — tanto em escolas como dentro das famílias — e de uma discussão aberta sobre a “inteligência emocional” dos homens desde a infância. Geralmente, apontou Macaulay, esse tipo de debate só é feito com perpetradores de violência contra mulheres no âmbito da pena, após o crime já ter sido cometido.
Observatório
O Observatório da Mulher Contra a Violência foi instalado pelo Senado em março deste ano para ser um centro de referência em estudos e debates sobre o assunto. O projeto que criou o órgão foi de iniciativa da senadora Simone Tebet (PMDB-MS). O debate desta terça-feira foi o primeiro evento organizado pelo órgão.