(UOL, 05/07/2016) Na sexta-feira (1º), veio à tona que a ex-modelo e empresária Luiza Brunet havia denunciado o ex-namorado, o empresário Lírio Parisotto, por agressão. A notícia causou uma forte repercussão, tanto pela brutalidade da violência sofrida pela atriz quanto pela classe social dos protagonistas da história. De acordo com as especialistas entrevistadas pelo UOL, a surpresa é embasada por um mito que persiste quando o assunto é violência doméstica: o de que apenas mulheres de classes baixas passam por isso.
“Nós que trabalhamos com esses casos presenciamos situações dessa proporção constantemente. O grande diferencial de ter uma figura como a Luiza denunciando é a desmistificação de que a agressão contra a mulher só acontece na periferia”, afirma Silvia Chakian, promotora de Justiça especialista em violência doméstica do Gevid (Grupo Especial de Enfrentamento à Violência contra a Mulher), do Ministério Público do Estado de São Paulo.
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Gisele Fraga repete Luiza Brunet e publica imagem de seu rosto após agressão de parceiro (Emais, 05/07/2016)
Senador defende apuração de agressão de seu suplente contra Luiza Brunet (Folha de S.Paulo, 05/07/2016)
Não existem estatísticas sobre o perfil das vítimas de violência doméstica, como classe social e faixa etária, mas Silvia diz que mulheres de todos os nichos da sociedade são afetadas. “No meu dia a dia, atendo pessoas tanto da região central de São Paulo quanto de bairros nobres, como Perdizes e Higienópolis.”
Segundo reportagem publicada no jornal “O Estado de S.Paulo” em abril, uma em cada cinco mulheres agredidas na capital paulista pertence à classe média ou alta. Os dados foram divulgados pela SSP (Secretaria de Segurança Pública). Para a promotora, esse tipo de violência está enraizado em questões culturais e machistas que ainda permeiam a sociedade e que fazem com que a mulher seja vista como propriedade do homem, sem direito de escolha.
Aos 54 anos, a ex-modelo contou ao colunista Ancelmo Gois, do jornal ” O Globo”, o ataque que sofreu e que a deixou com quatro costelas fraturadas, além de um hematoma no olho direito, resultado de um soco.
Na opinião de Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão, organização social sem fins lucrativos voltada à comunicação e direitos das mulheres, não é possível ter a real dimensão dos casos de violência doméstica no país. Entre os motivos disso estão a vergonha da vítima de se expor, o julgamento moral a que a mulher agredida é submetida –e que a culpa pela violência sofrida– e o fato de que as mulheres das classes A e B, por exemplo, têm outras portas de saída dessas situações, que não a segurança pública.
“A condição econômica oferece outros caminhos. Na maioria das vezes, essas mulheres têm apoio familiar e psicológico, além de outros meios legais para sair desse relacionamento e, por isso, não chegam às esferas públicas. Seja qual for a classe social, todas querem acreditar que podem mudar o parceiro sozinhas, o que faz com que a queixa nunca aconteça na primeira agressão”, diz.
Segundo Jacira, o Poder Judiciário brasileiro ainda é despreparado para tratar o assunto, principalmente no que tange ao preconceito enviesado contra as mulheres que têm melhor condição financeira.
Para quem não lembra, a atriz Luana Piovani demorou oito anos para conseguir enquadrar a agressão que sofreu do ex-namorado Dado Dolabella na Lei Maria da Penha. Na época, em 2008, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não aceitou a denúncia por não considerar Luana “uma mulher hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade, além de não ser oprimida ou subjugada aos caprichos de um homem”.
Em 2014, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça considerou a queixa da atriz com o argumento de que a lei vale para toda e qualquer mulher, independentemente de sua condição física ou social.
A coragem de Luiza (que assumiu sentir vergonha de denunciar) enquanto mulher e figura pública contribui para o debate contra a violência, na opinião das especialistas. “A atitude dela é um exemplo para milhares que passam por isso todos os dias. Romper o silêncio dessas mulheres é o nosso maior desafio. Luiza ajuda muito trazendo seu caso à tona”, fala Jacira.
A promotora do Gevid Silvia Chakian enfatiza que o exemplo da ex-modelo ampara aquelas que têm medo das consequências de querer se defender. Em 2013, última pesquisa feita pelo Instituto em parceria com o Data Popular sobre a percepção da sociedade sobre a violência e assassinatos de mulheres, mostrou que 85% dos entrevistados concordam que aquela que denuncia o parceiro corre mais risco de ser assassinada.
Como denunciar
A Secretaria de Políticas para Mulheres da presidência da República tem um disque-denúncia 24 horas. É só ligar 180 e as queixas recebidas pela central de atendimento à mulher são encaminhadas à Segurança Pública e ao Ministério Público de cada Estado.
Além disso, você pode procurar a delegacia mais próxima –não são só as especializadas em casos de violência doméstica. Para quem não está no Brasil, clique aqui para ter acesso aos canais de denúncia em mais 16 países.
Thais Carvalho Diniz
Acesse no site de origem: Denúncia de Luiza ajuda a quebrar tabu sobre violência na classe alta (UOL, 05/07/2016)