Estações cheias, câmeras e seguranças não são suficientes para impedir que mais de duas mulheres sejam agredidas por mês na rede do Metrô e da CPTM (Companhia de Transportes Metropolitanos) em São Paulo. Segundo registros da Delpom (Delegacia de Polícia do Metropolitano), obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, desde 2012 são cerca de 30 ocorrências de violência doméstica por ano na rede.
(Folha de S.Paulo, 12/01/2017 – acesse no site de origem)
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A Lei Maria da Penha define violência doméstica contra a mulher como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Normalmente, são casos em que namorados (ou ex) e maridos (ou ex) agridem suas companheiras. A lei, no entanto, abrange outras relações, como pais e filhas, filhos e mães, por exemplo. Ela também já foi adotada em agressões ocorridas em relações homossexuais.
Entre janeiro de 2012 e outubro de 2016, foram 147 boletins de violência doméstica. A estação com maior número de ocorrências foi a do Tatuapé, do Metrô e da CPTM, com 16 casos. Outras três estações da linha 3-vermelha –Sé, Barra Funda e Itaquera– registraram mais de dez casos de violência dessa natureza no período.
Segundo a advogada Marina Ruzzi, esses números são difíceis de interpretar, porque há uma subnotificação dos casos de violência doméstica, que vão muito além da agressão física. “A violência de gênero é algo ainda naturalizado em nossa sociedade. Os homens se sentem à vontade para praticar esse tipo de violência em público, pois realmente acreditam que não estão fazendo nada de errado e que sairão impunes desses seus atos”, diz.
As ocorrências estão distribuídas em vários pontos na rede do Metrô e da CPTM em São Paulo e há casos tanto em estações centrais como em periféricas, por exemplo Trianon-Masp, Vergueiro, Pirituba, Portuguesa-Tietê, Vila Mariana, Santana, Engenheiro Goulart e Santo Amaro.
“A violência doméstica é praticada a partir de uma desigualdade na relação. Normalmente a pessoa que pratica a violência entende que tem poder sobre a outra. Por isso, não me espanta que ache que pode praticá-la em qualquer lugar”, afirma a defensora pública Ana Rita Souza Prata, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher.
Uma pesquisa realizada pelo Data Popular e pelo Instituto Patrícia Galvão em 2013 mostrou que sete em cada dez brasileiros consideram que as mulheres sofrem mais violência dentro de casa do que em espaços públicos. Ainda de acordo com o estudo, metade dos entrevistados acredita que as mulheres se sentem de fato mais inseguras dentro da própria casa e 54% conhecem alguma mulher que já sofreu agressão do parceiro.
Denúncias
Segundo dados da SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, em outubro deste ano foram 880 boletins de ocorrência de lesão corporal dolosa e 803 de ameaça contra mulheres nas delegacias da capital. Os números oficiais, porém, são subnotificados por medo e vergonha das vítimas.
“Não temos ainda uma cultura de denúncia no Brasil. As mulheres ainda são submetidas a uma mordaça moral que as silencia na hora de procurar ajuda e reparação. As pessoas que eventualmente testemunham esses fatos muitas vezes temem se meter no que seria uma ‘briga de marido e mulher’. Romper esse tipo de comportamento é um passo muito importante para que consigamos proteger as mulheres e alcançar uma sociedade mais igualitária e justa”, afirma Ruzzi.
Em 2015, o Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, que atende essas denúncias, recebeu 76.651 relatos de violências, sendo que 50,15% delas eram físicas, 30,33% psicológicas e 7,25% morais. Em 72% dos casos, os agressores tinham algum vínculo afetivo com a vítima, ou seja, eram atuais ou ex-maridos, namorados ou amantes.
A defensora diz que quem presenciar um ato de violência contra a mulher, no Metrô ou não, deve chamar a polícia, seguranças ou guardas civis. “Não é um problema só daquela pessoa”, diz.
Apesar de ser difícil romper o ciclo de violência, ela afirma que as mulheres que sofrem violência doméstica também devem procurar centros de referência, grupos de apoio, o Ministério Público ou a Defensoria. “É importante buscar um equipamento especializado para se sentir fortalecida, porque o processo é longo e a Justiça não dá uma resposta tão rápida quanto muitas esperam.”
A Secretaria de Transportes Metropolitanos diz que as vítimas podem contar com uma rede de apoio formada pelos agentes de segurança e funcionários das estações. “Os passageiros também podem colaborar por meio do serviço SMS-Denúncia do Metrô (97333-2252) e da CPTM (97150-4949), que garantem total anonimato ao denunciante. A mensagem é recebida no Centro de Controle de Segurança, que destaca os agentes mais próximos para verificação imediata e providências.”