Juiz não vê estupro e solta homem que ejaculou em passageira de ônibus

30 de agosto, 2017

Magistrado entendeu que ato não configura estupro, mas, sim, importunação ofensiva ao pudor, uma contravenção penal. Para procuradora, decisão é ‘escárnio’ e ‘atinge todas as mulheres’

(O Estado de S. Paulo, 30/08/2017 – acesse no site de origem)

O ajudante de serviços gerais Diego Ferreira de Novais, de 27 anos, foi libertado pela Justiça nesta quarta-feira, 30, um dia depois de ejacular em uma passageira dentro de um ônibus na Avenida Paulista. O juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto afirmou na sentença que não viu possibilidade de enquadrá-lo por estupro por não ter havido “constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça” no caso. Novais, que havia sido indiciado por estupro, tem histórico de sucessivos crimes sexuais.

A audiência de custódia ocorreu na manhã desta quarta no Fórum Criminal da Barra Funda. “O crime de estupro tem como núcleo típico constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, escreveu o juiz. “Entendo que não houve o constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco do ônibus, quando foi surpreendida pela ejaculação.”

Para o juiz, ainda assim, o “ato praticado pelo indiciado é bastante grave, já que se masturbou e ejaculou em um ônibus cheio, em cima de uma passageira, que ficou, logicamente, bastante nervosa e traumatizada”. O magistrado também destaca que Novais tem “histórico desse tipo de comportamento”. Segundo o juiz, ele necessita de “tratamento psiquiátrico e psicológico para evitar a reiteração de condutas como esta, que violam gravemente a dignidade sexual das mulheres, mas, que, penalmente, configuram apenas contravenção penal”.

A advogada criminalista e procuradora de Justiça aposentada Luiza Nagib Eluf criticou a decisão. “Considerar que houve uma contravenção é um escárnio, uma decisão que atinge todas as mulheres. Como não houve violência? É evidente que houve uma violência terrível, uma extrema violência”, disse.

Ela explica que a lei atual não exige que haja uma conjunção carnal com penetração para que o ato seja configurado como estupro. Luiza integrou uma comissão de especialistas que discutiu mudanças no Código Penal e que incluem a alteração na tipificação atual desse crime. Apesar de entender que o caso da Avenida Paulista é estupro, a advogada acredita que a lei é “severa demais ao por tudo junto”. “Concordo que a lei é excessivamente severa, mas também não pode ser excessivamente tolerante. A classificação como contravenção é muito pouco diante do malefício causado.”

A promotora de Justiça Silvia Chakian, integrante do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid), concorda que há uma dificuldade de enquadramento. Para ela, “o aplicador da lei se vê de mãos atadas ao recorrer a um tipo penal que nem sempre vai corresponder à conduta”. “Os casos no transporte público têm sido configurado como contravenção, que tem uma pena ínfima, muito branda, para condutas que causam um dano emocional tão grave e que traumatizam”. Silvia defende uma reforma para adoção de um tipo penal intermediário entre a importunação e o estupro. “É necessário um aprimoramento para que não haja a sensação de impunidade.”

Novo ataque. Um dia depois do caso, a polícia voltou a ser acionada após uma passageira relatar ter sido apalpada nos seios por um homem em um ônibus na Avenida Paulista. A Secretaria da Segurança disse que um homem de 48 anos foi detido por importunação ofensiva ao pudor. “Policiais militares foram acionados e encaminharam o suspeito para a delegacia. O autor assinou um termo circunstanciado e foi liberado.”

Correções
30/08/2017 | 18h54

A matéria publicou de forma incorreta que o juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto havia escrito na sentença: “não entendo que não houve constrangimento…”. O correto é “entendo que não houve constrangimento”, no trecho. A correção foi realizada.

Felipe Resk e Marco Antônio Carvalho

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