A Justiça brasileira recebeu, em 2015, 263.426 novos processos referentes a violência doméstica e familiar contra a mulher. O número é 10% maior que o de 2014, quando ingressaram 239.930 novos casos nos tribunais estaduais. Os dados dizem respeito a ações criminais relacionadas à Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) e foram divulgados pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ), que vem trabalhando no levantamento de informações, no âmbito da Justiça, sobre a aplicação da lei, considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das melhores do mundo na proteção à mulher.
(CNJ, 26/08/2016 – acesse no site de origem)
A pesquisa, ainda não concluída, também apurou o número de medidas protetivas aplicadas pela Justiça e confirmou um quantitativo semelhante ao verificado em termos de judicialização. Segundo o levantamento, somente em 2015, ao menos 328.634 medidas protetivas foram aplicadas para salvaguardar a vida de mulheres ameaçadas pela violência dos companheiros ou ex-parceiros, pai ou irmãos. O número supera também em 10% os dados de 2014, quando foram aplicadas 298.701 medidas protetivas.
Para a presidente do Fórum Nacional de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), juíza Madgéli Frantz Machado, os dados expressam uma mudança de comportamento na sociedade ao lidar com essa questão, assim como refletem a eficácia do sistema de Justiça e de proteção dos direitos das mulheres a partir da Lei Maria da Penha. “Particularmente, acredito que esses casos já vinham acontecendo, mas, por conta da eficiência dos serviços que agora nós dispomos, esse número apareceu. As mulheres tomaram coragem de fazer essas denúncias e, hoje, um número muito maior delas busca o Judiciário quando se vê em situação de violência doméstica”, afirma a titular do Juizado Especializado em Violência contra a Mulher de Porto Alegre/RS.
Quantificar a violência de gênero por meio dos processos judiciais apresenta determinados limites. Os números oficiais – que escondem subnotificações, ou seja, casos que não chegam a ser formalizados em processos – não revelam toda a realidade, que é bem amarga para muitas brasileiras. Segundo o Mapa da Violência do Brasil 2015, o Brasil está na quinta colocação em casos de assassinatos de mulheres. E, apesar da violência contra a mulher não ser algo recente, o Estado brasileiro estabeleceu parâmetros para lidar com a questão somente nos últimos anos.
Investimento – Nos últimos dez anos, 100 varas especializadas de violência doméstica foram criadas no âmbito do Judiciário, totalizando 106 unidades instaladas atualmente para cuidar dos cerca de 430 mil processos. A criação de juizados exclusivos, formado por equipes multidisciplinares, foi uma recomendação feita pelo CNJ aos tribunais, seis meses após a aprovação da Lei Maria da Penha. Na época, apenas seis unidades judiciárias tinham essa competência. De acordo com os dados levantados pelo DPJ/CNJ, em 2012, havia 66 varas exclusivas, ou seja, em quatro anos, 40 novas varas foram criadas.
“É um avanço, mas precisamos ir além. As 106 unidades não são suficientes, sabemos disso. Existe um gap no interior do país que precisa ser resolvido. A lei é boa, mas todos devem ter acesso a ela”, diz a conselheira Daldice Santana, coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar do CNJ.
“As casas abrigos, por exemplo, estão previstas mas a maioria dos municípios não conta com esses serviços. Existe uma política nacional de assistência social, mas quando o juiz precisa incluir essa mulher em um programa de assistência encontra dificuldade no acesso, muita burocracia”, completa o juiz Álvaro Kalix, do Juizado Especial de Rondônia (TJRO).
Atualmente, há cerca de mil profissionais atuando nas varas exclusivas – uma média de oito servidores por vara. “É preciso especializar esse pessoal. As varas precisam se estruturar para dar melhor atendimento às mulheres e auxiliar os juízes nas suas decisões. Aumentar o quadro de servidores e investir em capacitação contribuirá para que os processos sejam solucionados de maneira mais adequada e mais rápida”, diz a diretora do DPJ, Fernanda Paixão.
Para sair do ciclo de violência, apontam os especialistas, a mulher precisa também de autonomia financeira. Por conta disso, magistrados alertam para a necessidade de políticas públicas efetivas de assistência. “Muitas vezes, quando a mulher chega na delegacia ou no tribunal, ela precisa de um pacote de direitos, de creche para deixar o filho e poder estudar ou trabalhar. É nesse sentido que precisamos caminhar”, conclui a presidente do Fonavid, Madgéli Machado.
Jornada – O CNJ realizou, em agosto deste ano, a 10ª edição da Jornada Maria da Penha, para debater a implementação da Lei n. 11.340/2006. Entre as sugestões feitas por magistrados para contribuir na redução da violência e morte de mulheres estão a capacitação de servidores e agentes da Justiça no tema, o acesso a tecnologias que contribuam para a proteção da vida da mulher e parcerias com universidades e organismos não governamentais.