Aconteceu em São Paulo, em junho de 2016. A Justiça paulista se negou a dar um pedido de indenização por danos morais a uma mulher vítima de violência sexual em um vagão do Metrô. O motivo? Segundo a juíza, a mulher não teria tomado uma atitude para interromper o abuso. Isso quer dizer: não houve resistência física ao agressor ou até mesmo uma “atitude” para resistir à violência.
(UOL, 12/01/2018 – acesse no site de origem)
A decisão da juíza não é incomum. Na província de Turim, Itália, um homem também foi absolvido pelo mesmo motivo, em 2016. O desfecho dos dois casos costuma ter como justificativa que as mulheres poderiam ter tomado uma decisão mais enérgica, na verdade física, contra os agressores.
Mulheres são mais frágeis, mesmo?
Estudos comprovaram que a falta de reação não está conectada ao sexo mais “frágil”, ou de que mulheres são incapazes, apenas no sentido muscular da situação, de reagir a um confronto.
Em 2017, pesquisadores do Instituto Karolinska na Suécia, um dos principais centros de estudos médicos da Europa, constataram que vítimas de estupro costumam ficar paralisadas durante o ataque. Seria como uma espécie de mecanismo de defesa. As mulheres que resistiram aos ataques ficaram propensas a desenvolver depressão.
O que é a Síndrome do Desamparo Aprendido?
Quando a agressão é física, a promotora Fabíola Sucasas, do núcleo de gênero do Ministério Público de São Paulo, afirma que violência doméstica costuma causar à mulher a Síndrome do Desamparo Aprendido. “É uma característica decorrente de um ciclo de violência psicológica –e também física — no qual a mulher tem um sentimento de impotência e insegurança ao enfrentamento. Ela age de forma passiva, sem nenhuma possibilidade de reação”, explica.
Isso se reflete no número de agressões contra a mulher no país. No primeiro semestre de 2016, o Ligue 180, a central de Atendimento à Mulher, recebeu quase 60 mil relatos de violência doméstica. Especialistas consideram que são muito mais casos, pois muitos não são notificados.
Cultura da violência dificulta defesa
A promotora acrescenta: “O homem costuma exercer a violência como forma de controle, a colocando um espaço em que seu comportamento é controlado. Há a ideia de que a mulher é incumbida ao cuidado com o filho e a passividade. É muito difícil, nesse lugar que a cultura coloca as mulheres, que elas reajam com violência”.
Para desafiar essa realidade, Marlene Lira, 52, pratica Bushido Ryu, uma arte marcial voltada para autodefesa, na qual ela participa em aulas com focos na defesa pessoal da mulheres. “Ao contrário do que se pensa, não acredito que a mulher é frágil”, diz.
Além da parte física, ela também diz ter reforçado a parte psicológica, desenvolvendo a noção de que, como mulher, não deve sofrer abusos e pode ocupar o espaço que desejar.
“Desde o início da criação a mulher teve sua definição predefinida: procriar, cuidar da prole e cuidar de seus parceiros. Acredito que, de fato, somos pacíficas, mais tolerantes e sensatas. Mas acredito também que isso possa ter sido imposto na sociedade”, reflete Lira.
“Com a evolução, as coisas vão mudando. Nós podemos treinar e fortalecer nosso corpo e adquirir técnicas de autodefesa –e da defesa de outros, também. Mulher não tem que ser mais vítima de pai ou namorado.”