“Deixar na mão da vítima denunciar é cruel e perigoso”, diz a juíza Teresa Cristina Cabral Santana Rodrigues dos Santos, integrante da Comesp (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo). A fala da magistrada diz respeito a decisão da Globo de não interferir na violenta discussão que aconteceu entre Marcos e Emilly, no “Big Brother Brasil”, entre a noite de sábado (8) e a manhã de domingo (9).
(Estilo/UOL, 10/04/2017 – acesse no site de origem)
O cirurgião plástico chegou a colocar o dedo em riste no rosto da estudante, que falou frases como “Tu apertou meu pulso, tá doendo”, “Marcos, tá doendo” e “Para de me apertar! Para de me machucar” para ele. No domingo à noite, o apresentador do reality show, Tiago Leiffert, afirmou que a emissora estava pronta a intervir se Emilly assim pedisse. Nesta segunda (10), a polícia foi à casa do BBB para ouvir Marcos e Emilly sobre o episódio de agressão.
“Aquilo foi um início de violência, sim, que poderia ter evoluído para algo mais grave. Provavelmente, ele parou porque se deu conta de que estava na TV”, diz Vera Vieira, diretora da organização não governamental Associação Mulheres pela Paz, doutora em comunicação e feminismo pela Universidade de São Paulo, e ela mesma foi vítima de violência doméstica em seu primeiro casamento.
Fardo
Para a juíza, deixar que Emilly manifeste-se pedindo ajuda é um fardo que ela não tem condição de lidar. “A vítima se encontra em uma situação de vulnerabilidade. Ela está tão inserida no contexto da violência que não tem clareza sobre o que está acontecendo, a autoestima vai diminuindo e ela passa a não oferecer resistência.”
Vera Vieira fala que mesmo a falta de maturidade e informação podem fazer com que a vítima não se perceba como alvo de violência. “A cultura machista que persiste faz com que situações como a vivida por Emilly sejam encaradas como normais, apenas como uma briga de casal.”
Segundo a juíza Teresa Cristina, a situação de vulnerabilidade da vítima é tão séria, que, na Lei Maria da Penha –legislação criada para combater a violência contra a mulher–, quando há lesão corporal, a denúncia não depende da agredida. Tanto que um boletim de ocorrência será registrado contra Marcos por ordem de Márcia Noeli Barreto, diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher, no Rio de Janeiro.
Violência crescente
Para quem insiste em olhar o episódio entre os BBBs como apenas uma briga de namorados, Teresa alerta que a violência doméstica acontece em um crescente.
“Começa-se em geral com violência psicológica. Com um ‘você não pode isso ou aquilo’. Na sequência, os xingamentos. Só depois vem a violência física, que também começa aos poucos. Um dedo em riste, um chacoalhão, para depois chegar em chutes e socos.”
Para reforçar a ideia da gravidade de atitudes como a de Marcos, Vera Vieira se recorda de quando morou no Canadá. “Ao atender um caso de violência doméstica, é padrão o policial dizer para a vítima que a situação não tem retorno e pode ser a causa da morte da pessoa.”
De acordo com a juíza Teresa Cristina, o caso de Marcos pode ser enquadrado na lei Maria da Penha e tem três cenários possíveis. Pode ser enquadrado como ameaça (detenção de um a seis meses), vias de fato (de 15 dias a três meses) ou lesão corporal (de três meses a três anos).
Por Adriana Nogueira