Paz e segurança para as mulheres latino-americanas, por Maiara Folly, Luísa Lobato, Carol Viviana Porto, Mariana Gomes da Rocha, Ana Paula Pellegrino e Renata Giannini

19 de junho, 2018

Marielle cresceu na favela. Era mulher, negra, defensora dos direitos humanos. Com mais de 46 mil eleitores, tornou-se a quinta vereadora mais votada do Rio. Aos 39 anos, foi brutalmente assassinadaNorma vivia em El Salvador quando foi sequestrada por uma gangue. Após ter sido estuprada por cada um dos quatro integrantes, foi jogada em uma lata de lixo. Maria enfrentou 5 mil quilômetros para cruzar a fronteira da Venezuela com Roraima e fugir da miséria que afeta seu país de origem. Ao chegar ao Brasil, foi esfaqueada e perdeu parte dos movimentos.

(Folha de S.Paulo, 19/06/2018 – acesse no site de origem)

Marielle, Norma e Maria sofreram as consequências de viver na região mais violenta do mundo para as mulheres. A predominância histórica da cultura machista, somada aos altos índices de violência e desigualdade socioeconômica contribuem para agravar esse quadro. Entre os 25 países do mundo com as taxas mais elevadas de feminicídio, 14 estão na América Latina e no Caribe, que também concentram a maior taxa do planeta de violência sexual contra as mulheres fora de um relacionamento e a segunda maior por parte do parceiro atual ou anterior.

Embora 16 países da região tenham aprovado leis que tipificam o feminicídio e desenvolvido programas e políticas para as mulheres, os esforços são insuficientes para proteger as cidadãs latino-americanas e caribenhas. Mesmo quando os abusos são reportados, os programas nacionais de proteção são escassos, ou possuem baixo investimento público e, consequentemente, não conseguem garantir a integridade física e/ou psicológica das vítimas.

Para contornar o quadro de impunidade e violência generalizada contra mulheres e meninas ao redor do mundo, desde o ano 2000, a ONU tem promovido a agenda sobre Mulheres, Paz e Segurança (MPS), que reconhece as mulheres não apenas como vítimas mas incentiva seu potencial como construtoras da paz.

Apesar dos epidêmicos índices de violência que afetam as mulheres e meninas da região, o envolvimento de governos latino-americanos com a agenda MPS continua limitado e, quando existente, focado na promoção de uma abordagem de gênero nas políticas de defesa e de relações exteriores. Como consequência, a agenda pouco reflete os desafios e ameaças confrontados por mulheres dentro de seus respectivos países.

É importante que os governos e a sociedade civil de países latino-americanos se engajem mais ativamente com a agenda MPS. Isso permitirá, por exemplo, promover a maior participação de mulheres nas forças policiais e no sistema de justiça criminal desses países, além da inclusão de aspectos de gênero em políticas de segurança pública, em especial aquelas voltadas para a redução da violência letal.

A agenda Mulheres, Paz e Segurança pode ajudar a reduzir as estruturas de desigualdade que agravam o quadro de violência contra mulheres na região. Além de fortalecer uma visão de impunidade zero, pode ter papel fundamental no fomento à participação das próprias mulheres na criação de soluções para dar fim ao ciclo violento que as afeta diariamente. Assim, a consolidação dessa agenda pode representar um importante passo para que não precisemos voltar a perguntar: Quantas mais vão precisar morrer para essa guerra acabar?

Marielle, Norma, Maria, presentes.

 

Maiara Folly, Luísa Lobato, Carol Viviana Porto,  Mariana Gomes da Rocha, Ana Paula Pellegrino e Renata Giannini são pesquisadoras do Instituto Igarapé.

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