(El País, 13/08/2016) O movimento Ni Una Menos (Nenhuma a Menos), que chegou ao Peru no final de julho, já conseguiu sensibilizar a sociedade sobre uma grande quantidade de casos de mulheres adultas assassinadas, agredidas ou estupradas. Neste sábado, os ativistas e seus simpatizantes sairão do centro de Lima com direção ao Palácio de Justiça para manifestar a indignação da sociedade peruana contra abuso desse tipo. Milhares de cidadãos são esperados.
O nascimento do Ni una Menos revela também a maior vulnerabilidade – embora menos visível –das meninas no país andino.
Um estudo encomendado pelo Ministério da Educação revela que o acesso à Justiça para as menores indígenas vítimas de violência sexual é particularmente complicado. Segundo o relatório, elas estão expostas aos seus agressores em todas as esferas da vida: na escola – o agressor muitas vezes é professor da vítima –, em casa ou no bairro, quando os pais saem para trabalhar na lavoura. Por outro lado, segundo dados recentes do Ministério da Mulher, entre 3.123 casos de abuso sexual atendidos neste ano pelos Centros de Emergência da Mulher (CEM), 46,7% correspondiam a adolescentes de 12 a 17 anos, e 25% a meninas de 6 a 11 anos.
O estudo, intitulado Rotas de Acesso à Justiça em Casos de Violência Sexual em Zonas Rurais e Multiculturais da Província de Condorcanqui, Amazonas, revela que as mudanças sociais ocorridas nas comunidades indígenas amazônicas – como o aumento da densidade familiar, os espaços de convivência mistos e a autoridade das pessoas letradas e/ou ricas – são fatores que favorecem os agressores, que geralmente são padrastos, familiares ou professores das vítimas menores de idade.
A investigação concluiu que “as condições de discriminação, subordinação e exclusão [das famílias indígenas] agravam os casos, especialmente quando não há delegacias, promotorias ou Centros de Emergência da Mulher [CEM] no local de residência”.
A maior parte dos crimes sexuais registrados pelo Ministério Público entre 2013 e 2015 foi cometida contra menores, havendo uma maior concentração entre as menores de 14 anos. “Quase metade do total corresponde a estupros nessa faixa etária”, diz o relatório.
Diversas entidades públicas registram os casos de agressão sexual, e suas cifras variam. A Unidade de Gestão Educacional Local (UGEL) aponta 91 casos entre 2013 e 2015 na jurisdição estudada no relatório, ao passo que o Ministério Público tem aproximadamente 80 processos. Já os CEM atenderam apenas 20 casos em 2015.
Depois de entrevistar parentes das vítimas, os investigadores observaram que as famílias perderam a esperança na Justiça comum por causa das inúmeras etapas e procedimentos burocráticos que não são explicados com clareza e por serem obrigadas a procurar espaços e especialistas do mundo mestiço, em situações de choque cultural com a cultura indígena tradicional. Outro obstáculo é a falta de dinheiro para contratar advogados ou para as viagens e diligências judiciais.
O relatório mostra ainda que, nas comunidades, as pessoas encarregadas de cuidar das crianças e “os membros da família estendida não exercem uma vigilância relevante quanto à prevenção de agressões sexuais contra menores de idade”. A mesma falta de cuidado se repete entre professores, auxiliares ou diretores de escolas, que muitas vezes se aproveitam da relação de autoridade e do acesso a certos espaços compartilhados com as vítimas.
Espaços urbanos
Por outro lado, em um artigo recente na Revista de Victimología, o antropólogo peruano Jaris Mujica argumenta que, no Peru, 93% de denúncias de violência sexual têm as mulheres como vítimas, “e, dentro dessa população, as adolescentes concentram mais de 75% das vítimas”. Ou seja, em quatro de cada cinco denúncias, a vítima tem menos de 18 anos.
As investigações preliminares de Mujica apontam que o agressor geralmente procede do entorno de moradia ou trânsito das vítimas, já que “as adolescentes têm círculos sociais mais reduzidos que as pessoas adultas”.
No Facebook, uma comunidade intitulada “Nenhuma a Menos Peru – Mexeu com Uma, Mexeu com Todas” conseguiu em três semanas a adesão de mais de 103.000 pessoas. Os organizadores pretendem que a passeata deste sábado no centro de Lima reúna milhares de cidadãos comuns e também representantes de instituições públicas e privadas. Clones desse coletivo no resto do país organizaram marchas semelhantes no mesmo horário, e as comunidades de peruanos no exterior preparam manifestações em pelo menos 10 cidades das Américas e Europa.
Neta quinta-feira, diante da força que o movimento Ni una Menos adquiriu, o Poder Judiciário anunciou que os magistrados serão obrigados a se submeter a uma capacitação para “conhecer adequadamente, prevenir e atender de maneira integral os casos de violência de gênero”.
Acesso no site de origem: Peruanos vão às ruas contra a violência de gênero (El País, 13/08/2016)