Por trás dos altos muros de concreto de um complexo fortificado, as autoridades mantêm um grupo especial de detidos: são mulheres e filhos dos comandantes do Boko Haram.
(Folha de S.Paulo, 11/10/2016 – acesse no site de origem)
Guardas estão a postos no portão. Espirais de arame cortante percorrem o topo dos muros. Membros civis da milícia nigeriana perambulam com fuzis AK-47 pendurados dos ombros.
As 56 mulheres e crianças detidas no interior estão aqui há meses, depois de serem raptadas pelos militares nigerianos durante ataques aos enclaves do Boko Haram. O governador do Estado, que opera o centro de detenção, as considera todas apoiadoras do Boko Haram.
“Não podemos simplesmente libertá-las na sociedade”, disse o governador Kashim Shettima sobre as mulheres e meninas que estão no complexo. “Houve muita lavagem cerebral.”
Shettima, cujo Estado de Borno fica no centro da guerra com o Boko Haram, chama o complexo de “refúgio”, e não de cadeia. Toda aquela segurança não apenas mantém o mundo exterior a salvo das prisioneiras, como também protege as mulheres lá dentro dos moradores nervosos que odeiam o Boko Haram, afirmou ele.
Na guerra com a milícia radical islâmica que aterroriza a Nigéria há anos, qualquer pessoa que viveu entre os militantes —incluindo crianças que foram sequestradas e mantidas em cativeiro— é muitas vezes demonizada como simpatizante e considerada perigosa.
Afinal, o Boko Haram usou até crianças de oito anos, mães e avós para carregar bombas em ataques que mataram centenas de pessoas.
Por isso as mulheres e crianças sob custódia de Shettima provocam desconfiança, apesar de algumas delas dizerem que foram obrigadas a se casar com membros do grupo, incluindo uma menina que tinha só nove anos quando um combatente a levou para ser sua mulher.
“Eles matavam ou feriam as pessoas”, disse uma das detidas, mulher de um comandante do Boko Haram, falando sob condição do anonimato por temer represálias. “Eles são muito maus.”
O governo local de Maiduguri, cidade onde o Boko Haram foi criado, não é a única autoridade que mantém as famílias sob custódia. Para livrar a região do grupo rebelde, os militares nigerianos detiveram inúmeros homens, mulheres e crianças durante semanas.
Muitas vezes as famílias foram mantidas em cativeiro pelo grupo rebelde para depois serem “libertadas” e detidas pelos militares nigerianos.
Outras estavam apenas fugindo de suas aldeias, temendo a aproximação do Boko Haram, quando soldados nigerianos as capturaram. Pessoas inocentes, incluindo bebês, são detidas por longos períodos enquanto os militares verificam se há simpatizantes do grupo.
O Boko Haram incendiou aldeias, decapitou homens e mulheres, raptou escolares e obrigou mais de 2,5 milhões de pessoas em quatro países a fugir de suas casas. A guerra deixou 65 mil pessoas em condições de penúria, a maioria delas no Estado de Borno, segundo a Unicef.
MODERADO
No complexo murado, religiosos ensinam aos detidos o islamismo moderado, que contraria a pregação radical dos combatentes do Boko Haram. Representantes do Ministério de Assuntos das Mulheres e vários grupos de ajuda locais e internacionais oferecem testes de saúde, aplicam vacinas e realizam exames de sangue e de gravidez. Um psicólogo dá aconselhamento.
Compreender as verdadeiras inclinações das mulheres pelo Boko Haram é uma tarefa complicada. Pesquisadores que passaram um tempo considerável no complexo conversando e observando as mulheres disseram que várias delas manifestaram apoio aos militantes.
O Boko Haram ficou famoso por forçar meninas e jovens a se casar. Elas são estupradas e algumas têm filhos dos combatentes. Em muitos casos, as mulheres vêm da extrema pobreza, com pouca esperança para o futuro, mesmo em tempo de paz.
O grupo rebelde lhes oferece comida. Algumas conseguiram até dotes maiores de combatentes do Boko Haram do que teriam recebido se se casassem com homens de suas aldeias.