Roraima foi considerado o Estado mais violento do Brasil para mulheres pela sétima vez consecutiva. São 10 assassinatos para cada 100 mil mulheres – a título de comparação, em São Paulo, o Estado “menos” perigoso, o número é de 2,2 para 100 mil. Os dados, revelados pelo Atlas da Violência 2018, feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) deixam a dúvida: o que acontece com Roraima?
(Universa, 06/06/2018 – acesse no site de origem)
A advogada da Human Rights Watch, uma das principais ONGs de Direitos Humanos no mundo, Maria Laura Canineu, realizou um estudo no Estado, baseado nos achados do Ipea. Em entrevista à Universa, ela analisa os motivos pelos quais Roraima continua no topo dos casos de feminicídio no Brasil. A falta de estrutura nas delegacias locais e a a ausência de preparo dos agentes de segurança são os principais motivos.
Por que Roraima?
Segundo Maria Laura, o Estado faz muito pouco para prevenir que a violência doméstica termine em morte. “É muito difícil denunciar um caso desses em Roraima. Existe apenas uma delegacia da mulher para atender cerca de 255 mil mulheres”, explica.
“A violência doméstica, que é um dos principais casos dos feminicídios no Brasil, acontece como uma escalada. Primeiro, com uma agressão verbal e psicológica. Depois, ela cresce, se torna uma violência física. Se o Estado não auxiliar a mulher para que essa progressão não continue, o passo seguinte é a morte”, diz.
Em todo o Brasil, apenas um quarto das mulheres que sofrem violência doméstica procuram a polícia. “Em Roraima, o número é bem maior do que esse; mas não se tem uma estimativa confiável. Se uma mulher não mora em Boa Vista, ela não consegue chegar à delegacia com facilidade”, conta.
Delegacias despreparadas
Por lei, não são apenas as delegacias especializadas em atendimento à mulher que podem prestar socorro em casos de violência. Maria Laura garante que em qualquer unidade policial, uma mulher deve ser atendida e auxiliada. Só que em Roraima, não é assim.
“No Estado, há uma falta de treinamento de delegados e agentes policiais. Normalmente, quando uma mulher chega a um DP querendo prestar queixa de violência, ela ouve que deve procurar a delegacia da mulher. Além de ter apenas uma unidade, esse posto só funciona de segunda à sexta das 8h às 19h. Aos fins de semana e de madrugada, que é quando ocorrem os principais casos de violência, a unidade está fechada”.
A especialista afirma que, às segundas-feiras, o número de mulheres que procuram a delegacia da mulher aumenta em 50%. “Elas sofrem a violência na sexta-feira ou nos fins de semana e só podem ser atendidas na segunda. Muitas esperam a abertura das portas em casas de parentes ou amigos, rezando para que o agressor não as encontre”, explica Maria Laura.
Policiais não recebem treinamento especializado
Além da falta de estrutura, os profissionais de segurança que atuam no Estado normalmente não recebem treinamento próprio sobre como agir nesses casos. Maria Laura, à época em que fez o estudo, 2015, descobriu que nem mesmo os policiais que atuam na própria delegacia da mulher são treinados.
Nas delegacias, não há salas privativas
Quando a mulher, finalmente, consegue chegar à delegacia especializada, tem que prestar depoimento na frente de todas as outras pessoas que esperam para ser atendidas. De acordo com a pesquisadora, na unidade, não há uma sala privativa.
“É perigoso e vexatório para a mulher ter que contar detalhes da agressão que sofreu na frente de várias pessoas. Perigoso porque, na delegacia, pode ter algum conhecido do agressor; vexatório porque a mulher já está em uma situação de fragilidade. Se expor assim, só faz com que ela se sinta mais insegura”, diz.
Processos de violência prescrevem o tempo todo
A falta de efetivos também é um problema para as roraimenses. A especialista afirma que o número de agentes policiais é insuficiente para atender às demandas de violência. “Mais da metade das investigações sobre ataques contra a mulher são arquivadas. Como não há agentes o suficiente para fazer as diligências mínimas, como colher os depoimentos, muitas mulheres ouvem que vão ser procuradas depois para esclarecerem o caso. O tempo passa e elas raramente são contatadas”, garante.
Como reverter o quadro?
É preciso investir muito em segurança — e isso não significa apenas armar mais os policiais. “Devem se criar mais delegacias voltadas à mulher. No entanto, enquanto isso não acontecer, é preciso treinar as outras unidades existentes, para que as mulheres tenham a quem recorrer quando estiverem longe da capital ou quando a delegacia da mulher estiver fechada”, diz.
Procurar a vítima dias após a denúncia pode ser tarde demais. Quando os depoimentos são colhidos, os juízes conseguem analisar o caso com segurança e, se necessário, pedir medidas de proteção”.
E se elas são concedidas, é preciso continuar atento. “Um documento não garante a segurança da mulher. É precisa ligar para a mulher, fazer visitas à sua casa e atestar se o agressor de fato está distante ”, diz.
Informação
Um mínimo suspiro de esperança: A taxa de feminicídio em Roraima caiu de 2015 para cá. De acordo com o último estudo, eram 11,4 homicídios a cada 100 mil mulheres.
No entanto, esse dado ainda está muito além da média nacional. “No Brasil, são quatro assassinatos por 100 mil mulheres. O número em Roraima só vai cair se houver comprometimento quando o assunto é a segurança feminina”
Talyta Vespa