Especialistas alertam que culpabilizar a mulher é torná-la mais vítima de uma situação em que ela já foi colocada neste papel
(A Notícia, 14/08/2017 – acesse no site de origem)
“Mas onde você estava? Você tinha bebido quando isso aconteceu? Que roupa você estava usando? Você provocou ele, né?”.
Ver o comportamento da vítima – e não do autor – colocado em questão é vivência comum entre as mulheres em situação de violência sexual. Os questionamentos listados acima são ouvidos com frequência e menosprezam o sofrimento e responsabilizam as mulheres, como se a agressão pudesse ser justificada. Culpabilizar a mulher é torná-la mais vítima de uma situação em que ela já foi colocada neste papel, alertam os especialistas.
— É preciso acolher essa mulher e não a culpabilizar, não a tornar cada vez mais vítima da situação. Porque ela mesma já vai se auto responsabilizar. É como se houvesse sempre um promotor dentro da gente e nunca um defensor público – explica a psicóloga Márcia Santos.
Para Márcia, a revitimização está na forma inapropriada com que a sociedade e algumas instituições tratam essas mulheres. Por causa de uma cultura em que a vítima está inserida – onde é colocada como objeto de desejo e de propriedade do homem – ela também se culpa pela situação. A reafirmação externa dessa falsa responsabilidade faz com que ela reviva continuadamente o trauma.
A culpabilização também impacta diretamente na falta de crédito que as mulheres depositam na denúncia. Elas não buscam ajuda por medo de serem desacreditadas, discriminadas e humilhadas. Mas, esses julgamentos podem ser desabonados pelas estatísticas. Segundo a psicóloga, a Dpcami registra boletins de ocorrência em que os crimes acontecem em todas as esferas econômicas da sociedade, com mulheres das mais variadas personalidades, usando qualquer tipo de roupa e em diferentes horários do dia.
Estereótipo do agressor e classe social das vítimas
É mais fácil criar uma cena no imaginário sobre o estupro do que perceber que o crime pode acontecer mais próximo do que se imagina. O delito ocorre em qualquer contexto econômico. É comum ocorrer entre famílias com poder aquisitivo médio ou alto, mas as denúncias são ainda mais raras nestes casos. Normalmente esses crimes não são comunicados por receio de exposição e, neste processo, deixa-se de punir o agressor.
— Esses crimes talvez não sejam relatados às autoridades pelo senso de autopreservação da imagem. Para evitar uma exposição da família diante dos amigos e da sociedade. É muito comum envolver a `cifra negra¿ nestes casos — diz a delegada Georgia Bastos.
Outra questão observada neste contexto é o estereótipo construído em torno do perfil do estuprador. O agressor pode ser uma pessoa do convívio da mulher ou alguém que ela jamais presumiria ser autor deste tipo de crime. Ele pode transmitir confiança à vítima e a impressão de que jamais cometeria a violência sexual.
— É preciso desmistificar a imagem desse agressor: há casos que já foram investigados pela delegacia em que o delito é cometido por um homem com um nível de escolaridade e cultural altos, ele é considerado pelas mulheres como bem apessoado e de confiança, mas ele é um estuprador — afirma Márcia Santos.
Comportamento pós-crime muda conforme personalidade
O papel de um psicólogo dentro da delegacia de polícia é ajudar na investigação do crime. O profissional coleta dados e características do agressor, para ajudar na identificação. Se o crime ocorrer dentro de casa, é requerida a medida protetiva quando a vítima solicita. Além disso, a psicóloga ajuda a humanizar o processo de atendimento.
— Nós fazemos o acolhimento. A tristeza dessa mulher, a humilhação que ela está sentindo é enorme. Ela já não se sente mais a mesma mulher — diz Márcia dos Santos.
Diferentemente dos casos com crianças – em que mudanças no comportamento podem ser observadas para identificar o abuso sexual –, não existe um ¿diagnóstico¿ para os casos de estupro em mulheres adultas. Isso difere de acordo com a personalidade e o grupo de apoio da vítima. Cada mulher pode apresentar uma conduta pós-crime de forma singular. Em alguns casos, pode não demonstrar mudança alguma.
— O comportamento pode variar de acordo com a personalidade e com o grupo de apoio que essa mulher tem. Não é tão simples de dizer que ela vai apresentar tal e qual sintoma.
Possivelmente serão afetadas as esferas cognitiva, física e comportamental. Para ajudar, segundo a psicóloga, as pessoas podem ficar atentas às mudanças bruscas de comportamento nas mulheres que sofreram violência. A vítima pode apresentar alterações no sono, irritabilidade, tristeza profunda, alterações no apetite e isolamento do convívio social.
Márcia ressalta que esses sintomas não são uma regra geral, tudo dependerá das características de personalidade e da forma como essa mulher lida e enfrenta os problemas.
Gabriela Florêncio