Projeto que muda Lei Maria da Penha encontra resistência por ‘piorar’ acolhimento

04 de julho, 2016

(Rede Brasil Atual, 04/07/2016) Proposta determina que os próprios delegados e agentes apliquem medidas protetivas para mulheres vítimas da violência, mas temor é de que policiais não estejam preparados para esse tipo de prática

Uma proposta apresentada com o intuito de facilitar a prisão de agressores de violência doméstica contra a mulher está sendo vista com cautela e muita preocupação por parte de parlamentares, mulheres, representantes de movimentos feministas e até pela ex-secretária de política para mulheres Eleonora Menicucci. Trata-se do Projeto de Lei Complementar (PLC) 2/2016, que tem o intuito de alterar a Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 2006) e que foi aprovado na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ). Agora, a matéria segue para votação no plenário da Casa, mas os parlamentares pretendem atrasar este rito para esquentar as discussões no plenário.

O texto estabelece que as medidas protetivas às mulheres vítimas da violência possam ser aplicadas pelos próprios delegados de polícia que receberem a denúncia, sem a necessidade de passar pelo crivo imediato do Judiciário. A partir daí, será estabelecido um prazo de até 24 horas para que o magistrado possa confirmar ou rever cada decisão tomada nas delegacias. A intenção é clara: facilitar o acesso das mulheres agredidas à proteção policial e evitar qualquer tipo de morosidade nesse sentido.

O problema é o outro lado dessas medidas, já que as mulheres e especialistas em políticas de proteção a mulheres não consideram que delegados e agentes de polícia estejam preparados para realizar essa função no Brasil. Acham que podem ser observados, inclusive, desvios de atribuições e, até mesmo, erros na proteção dessas mulheres em situação de vulnerabilidade, tornando-as ainda mais vulneráveis.

Despreparo

Segundo a senadora e procuradora da Mulher do Senado, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), há uma preocupação das mulheres de que, com a proposta de alteração, as ações de proteção piorem, em vez de melhorar. “Parece até um contrassenso, mas é isso mesmo. Em vez de melhorarem a situação das mulheres, as alterações propostas pelo PLC vão piorar”, disse. De acordo com Vanessa, a maior parte dos problemas hoje na aplicação da Lei Maria da Penha está exatamente nas delegacias.

“As mulheres chegam nesses lugares para fazer uma reclamação e muitas vezes nem o Boletim de Ocorrência é realizado. Quando o é, a mulher é convocada para em outra oportunidade prestar depoimento e não dar seu depoimento na hora, quando se trata de uma denúncia e uma medida protetiva que precisa ser feita de imediato. As delegacias e os policiais não estão preparados para esse tipo de atendimento”, disse.

Outra queixa feita pela ex-secretária de política para mulheres do governo Dilma Rousseff Eleonora Menicucci diz respeito ao fato de o tema não ter sido discutido amplamente com os diversos setores interessados, as entidades de apoio às mulheres. “A proposta é um retrocesso, pois pode significar uma diminuição da proteção às mulheres”, disse.

Segundo Eleonora, o PLC, que tramitou rapidamente no Senado, consiste numa estratégia do governo interino de Michel Temer para incluir as ações da antiga secretaria de Políticas para Mulheres, antes vinculada à presidência da República, ao Ministério da Justiça. “A intenção é colocar a nova secretaria como um puxadinho do ministério, para legitimar a construção de um departamento de violência contra as mulheres dentro da Polícia Federal. Isso para mim já está articulado”, acusou.

Para o autor do PLC, o deputado Sérgio Vidigal (PDT-ES), a proposta estabelece que a atuação do delegado só seja admitida em caso de risco real ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher e de seus dependentes. O deputado se defendeu dizendo que uma conquista do projeto original mantida no Senado foi a abertura das delegacias das mulheres 24 horas por dia e afirmou que não vê retrocessos no texto. “Externa uma preocupação com a situação das mulheres e não o contrário”, ressaltou.

Ministério Público

Vidigal afirmou ainda que além da autoridade policial poder aplicar as medidas protetivas, assumindo a responsabilidade de comunicar a decisão ao juiz em até 24 horas, para que esse magistrado possa manter ou rever essa intervenção, o Ministério Público também deverá ser consultado sobre a questão no mesmo prazo.

O relator da proposta, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), por sua vez, defende o mesmo entendimento do relator. Nunes aceitou apenas uma emenda de redação apresentada ao PLC, por parte da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP): a que determina que a medida cautelar seja comunicada “imediatamente” ao Ministério Público e ao Judiciário –, embora o prazo para um juiz se manifestar a respeito continue sendo o mesmo.

“Não somos contra alterações a leis que possam ajudar a melhorá-las. O problema é que este tema exige um debate mais aprofundado no Congresso. As vítimas de violência doméstica precisam de um bom atendimento policial e pericial e sabemos que nem todas as delegacias podem oferecer isso”, afirmou a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), que vê com reservas a matéria.

“O que nos une é a causa da gente avançar cada vez mais no que diz respeito ao combate a essa chaga que é a violência contra as mulheres, inclusive cobrando do Estado brasileiro o cumprimento integral da Lei Maria da Penha”, disse a senadora.

Dez Anos

Sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em agosto de 2006, a Lei Maria da Penha ficou conhecida como um dos mais importantes paradigmas jurídicos do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres. Os parlamentares contrários à inovação tentam, nos próximos dias, fazer com que o projeto seja retirado da pauta de votações do plenário para ser melhor discutido.

Conforme dados de março passado da central de atendimento a mulheres da Secretaria de Política para Mulheres, até esse período o Brasil vinha registrando uma denúncia de violência contra mulher a cada sete minutos. As denúncias aumentaram 44% no período entre março de 2015 e março de 2016 e os relatos de violência sexual aumentaram em 129% de 2014 para 2015. Os dados levam em conta o fato de que os percentuais aumentaram porque as redes de denúncia foram ampliadas no país inteiro e não propriamente porque o número de casos aumentou. Mesmo assim, mostram bem a necessidade de preocupação com o tema.

O Ministério da Justiça e a Secretaria de Mulheres foram procurados pela reportagem, mas não retornaram os pedidos de entrevista. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que monitora a aplicação da Lei pelos judiciários de cada estado, está elaborando um balanço dos dez anos de sua vigência, a ser divulgado até o final de agosto.

Hylda Cavalcanti

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