Tudo começa com uma mensagem de flirt, que puxa outra mais explícita, que faz nascer uma foto mais ousada e, quando se dá pela coisa, já circulam imagens de corpos nus e vídeos de sexo caseiro sem que um dos interlocutores saiba. Normalmente, é a mulher o interlocutor que desconhece que a sua intimidade não é assim tão íntima. Chama-se a isto revenge porn, ou pornografia de vingança, numa tradução livre. E acontece quando um dos membros que antes se deleitava com este jogo erótico se cansa das regras e as altera sem avisar. As imagens são rapidamente distribuídas online, postadas em fóruns e outros buracos da internet para gáudio de quem vê e comenta e, sobretudo, da mão que carregou no play.
(Revista Donna, 18/09/2016 – acesse no site de origem)
Isto é tão cruel e básico que, dir-se-ia, ser um fenômeno de nicho juvenil, menos avisado nestas coisas da decência. Mas não. São cada vez mais os casos de suicídio de mulheres, na maioria dos casos, adolescentes, que não aguentam a vergonha e a humilhação de se verem expostas. Porque não é só o seu corpo que fica à vista de todos, de todo o mundo, é também a sua identidade: não contentes com este tipo de vingança, os distribuidores destas imagens fazem questão que se saiba quem são estas mulheres, apresentando o seu nome e demais indicações. O que significa que, de cada vez que alguém googlar o nome de uma destas mulheres, o que aparece são as imagens e os vídeos que outrora enviaram numa base de confiança. E essa busca tanto pode ser feita por amigos e família como por possíveis empregadores. Só por aqui se entende o tamanho do estrago que a revenge porn potencialmente gera.
Com os smartphones (e as suas câmaras…) cada vez impregnados no meio de todos nós, a juntar ao à vontade com que partilhamos a vida online, esta vingança está a tomar proporções difíceis de gerir e, para já, impossíveis de curar. Por isso, importa perceber o que fazer para que a aquilo que é nosso – a nossa vida sexual, as nossas experiências – não acabem nos fundilhos, não apenas da internet mas no negrume da existência humana.
- Confiar que não devemos confiar: naturalmente, isto não é fácil. Porque a natureza do próprio envolvimento sexual, mais ou menos profundo, pressupõe um mínimo de confiança. Se não acharmos que vamos ficar seguras com aquela pessoa, não estamos com ela. A ideia aqui é confiar, desconfiando. Ou seja, pelo sim, pelo não, mais vale não mandar fotos a pessoas cujo caráter conhecemos mal. Já bastam os parceiros de anos que, por vingança, se decidem por essa janela para o mundo. E aí, só a Justiça tem lugar.
- Apresentar queixa: nestas questões de cariz sexual (ou de violência sexual) as queixas formais não têm correspondência com o número de factos ocorridos. Entre a vergonha e o achar-se que a denúncia não vai ter um efeito, há muitos casos que ficam pelo caminho. Mas em julho deste ano, o Tribunal de Setúbal vem dar razão a quem avança, ao condenar um homem de 38 anos a pena de prisão efetiva por ter colocado online 2 vídeos que fez com a sua namorada, com o intuito de a prejudicar.
Não há uma receita que faça com que a revenge porn tenha um fim. A maldade, não tendo um racional, também não tem uma cura. A única forma de as mulheres se precaverem é usando do bom senso e recorrendo à Justiça, quando o pior acontece. E tem acontecido tantas vezes que a APAV (Associação de Apoio à Vítima) criou o programa PROTEUS, justamente para dar apoio a vítimas deste tipo de crime. É dos mais insidiosos, dos que mais corroem a autoestima e a paz de quem vê a sua intimidade espalhada por milhares de sites e um crime que ataca a liberdade de relacionamento com os outros.
Sílvia Baptista