Projeto prevê que delegados deem medidas protetivas a vítimas da violência doméstica; hoje, apenas juízes têm essa permissão. Flávia Piovesan diz que polícia ‘não está capacitada’; delegados rebatem.
(G1/DF – 28/10/2017 – acesse aqui)
A secretária Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Flávia Piovesan, afirmou ao G1 que vai recomendar ao presidente Michel Temer o veto às mudanças na Lei Maria da Penha, que constam em um projeto de lei aprovado no Senado Federal no último dia 10. O parecer pelo veto atende a pedidos de entidades de direitos humanos e ligadas ao Judiciário.
Se sancionada por Temer, a mudança vai permitir que delegados concedam medidas protetivas de urgência a vítimas de violência doméstica. Atualmente, apenas os juízes podem determinar o afastamento do agressor do lar ou do local de convivência com a vítima. Segundo entidades, a mudança tornaria a lei inconstitucional.
Em entrevista concedida ao G1, Flávia Piovesan afirma que a mudança representa um “retrocesso aos direitos das mulheres”. Segundo a secretária, o papel de concessão “cabe ao [Poder] Judiciário”, e a Polícia Civil “não tem estrutura adequada para assumir essa tarefa”.
“Nossa polícia não está devidamente capacitada para lidar com especificadades da violência contra mulher, que é baseada no gênero.”
Ainda de acordo com a representante da pasta, a recomendação de sanção do projeto ao presidente Michel Temer deverá ser entregue ainda nesta semana. O documento foi elaborado em conjunto com membros do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) – que reúne representantes do poder público e da sociedade civil.
Para a farmacêutica Maria da Penha, que dá nome a lei, pode haver o enfraquecimento do texto porque a defesa do autor do crime pode alegar inconstitucionalidade, por exemplo.
“Pode ser colocado pelo advogado que é inconstitucional aquela conduta. Porque a conduta é específica do poder judiciário e é a polícia que está determinando essa punição”, afirma.
Delegados defendem lei
Já o diretor da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ), Thiago Costa, afirma que, com a alteração na lei, o prazo para concessão de medidas protetivas de urgência deve “cair pela metade”. Atualmente, a intimação do agressor leva até 48 horas.
“O delegado vai aplicar isso provisoriamente até que o juiz tome conhecimento do caso. O poder total e controle não vão deixar de ser dele. O artigo do projeto não tira nada, só reforça a proteção.”
O porta-voz nacional dos delegados se refere à proposta de alteração como uma “obrigação”. “Não se está dando direito ao delegado, mas um dever de segurar a proteção da vida.” Sobre o posicionamento da Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal, Costa diz que “não existe insituição perfeita”.
“Isso é uma birra infantil contra os delegados, só buscamos dar maior proteção para vítima.”
Mudanças sugeridas no projeto
Segundo o projeto, a medida concedida pelo delegado só será admitida em caso de risco real ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher e de seus dependentes. A proposta prevê ainda o direito a atendimento policial especializado e ininterrupto, realizado preferencialmente por profissionais do sexo feminino.
O objetivo do projeto, segundo o deputado Sergio Vidigal (PDT-ES), autor do texto, é dar agilidade na aplicação das medidas protetivas diante do aumento da violência contra a mulher.
“Há centenas de mulheres que, ao aguardar as medidas protetivas, foram violadas e assassinadas. Não adianta ter lei moderna, tem que ser aplicada”, disse.
Para Vidigal, o Judiciário é muito lento. O parlamentar lembra que o texto está sendo discutido há mais de um ano e que passou por diversas comissões. “Deveriam [Judiciário] ter interferido antes”, disse.
O deputado defende que o delegado está mais perto da vítima e que o juiz pode demorar muito. “Nós queremos reduzir o índice de violência contra a mulher. Que designem um juiz de plantão, então”, afirmou.
O que dizem especialistas
Uma semana após a aprovação do projeto no Senado, as organizações de direitos da mulher, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública e o Ministério Público se manifestaram contra o texto por verem inconstitucionalidade na proposição, que transfere prerrogativas judiciais a agentes policiais, além da falta de estrutura das delegacias e de capacitação dos agentes de polícia no país para atenderem às demandas das mulheres em situação de violência.
De acordo com o texto, “a concessão de medidas protetivas de urgência pelo delegado só será admitida em caso de risco real ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher e de seus dependentes”. Nessa hipótese, depois de aplicar as medidas, a autoridade policial terá de comunicar a decisão ao juiz e ao Ministério Público em até 24 horas, para que ele possa manter ou rever essa intervenção.
Uma das notas de repúdio, das juízas e juízes de violência doméstica e familiar contra a mulher do Fórum Nacional de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), afirma que o projeto de lei é “inconstitucional e fere o princípio da tripartição dos Poderes ao permitir que a autoridade policial, que não é investida na função jurisdicional, aplique medidas de proteção de urgência e despreze os poderes constitucionais conferidos ao Poder Judiciário”.
“A Lei Maria da Penha, considerada uma das três melhores do mundo pela ONU no que se refere ao combate à violência contra a mulher, não pode ser alterada sem uma discussão maior com a sociedade e com os operadores do direito”, diz o texto.
Medidas protetivas
As medidas protetivas podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância que o agressor deve manter em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso.
O agressor também pode ser proibido de entrar em contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio ou, ainda, deverá obedecer à restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço militar.
Outra medida que pode ser aplicada pelo juiz em proteção à mulher vítima de violência é a obrigação de o agressor pagar pensão alimentícia provisional ou alimentos provisórios.
Por Marília Marques e Cíntia Acayaba, G1 DF e G1 SP