(CNJ, 04/07/2016) Diversos projetos vinculados ao Judiciário brasileiro estão levando às escolas brasileiras o conhecimento sobre a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e a importância do combate à violência doméstica. Programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar estão previstas na própria lei, que criou mecanismos para prevenir o fenômeno que mata, em média, uma mulher a cada duas horas, segundo o “Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres no Brasil”.
Para a conselheira Daldice Santana, coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a capacitação de jovens e educadores no ambiente escolar “funciona como um instrumento decisivo para o fim da cultura da violência doméstica”.
O foco das varas de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) são as crianças. Em parceria com a prefeitura de Boa Vista, o projeto Maria Vai à Escola já levou o assunto para quase 500 alunos de escolas da rede pública e privada da capital roraimense. Uma equipe da Secretaria Municipal de Educação, capacitada pelo TJRR, ministra as palestras que abordam temas como direitos humanos, igualdade de gênero e violência doméstica aos meninos e meninas, de 8 a 11 anos de idade. Para serem compreendidos, os temas são levados de maneira lúdica, por meio de peças de teatro e gibis.
As ações educativas fazem parte da luta pela redução do número de homicídios contra mulheres em todo o país. Em Roraima, o homicídio feminino cresceu 500% nos últimos dez anos, conforme o “Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres no Brasil”. O estado ocupa o topo do ranking de crescimento de homicídios de mulheres no Brasil entre 2003 e 2013.
Além de tomarem contato com leis e direitos de maneira lúdica, os projetos também são apontados como fator de mudança comportamental dentro das salas de aula. A titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre (RS), juíza Madjéli Frantz Machado, constata que um dos resultados práticos deles é a redução do bullying.
“O comportamento de quem sofre a violência pode se caracterizar pela prática da violência no recreio, no jogo do futebol, no campinho. Por isso, além das ações pedagógicas voltadas às crianças, buscamos fazer capacitação dos professores nessa área. Ensiná-los a ter uma comunicação não violenta, para que possam fazer uma abordagem que chegue, de fato, à raiz do problema”, diz a magistrada, que coordena o projeto Maria na Escola, nas escolas da capital gaúcha e no interior do estado.
Adolescentes – Os adolescentes também estão envolvidos nos projetos do Judiciário. Em Belo Horizonte, cerca de 2.400 jovens com mais de 14 anos já tiveram contato com a Lei Maria da Penha por meio de palestras, leituras e peças de teatro, levadas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a quase 20 escolas da rede pública e privada de ensino. Além da parceria com a Secretaria Estadual de Educação, o TJMG utilizou dados obtidos pela Secretaria Estadual de Defesa Social, a fim de escolher as escolas dos bairros mais violentos da capital mineira e, dessa forma, atingir o jovem mais vulnerável.
“Não existe saída melhor que a da educação. Várias meninas nos contam que seus namorados já são violentos, reproduzindo comportamentos de seus pais. Se não mudarmos a mentalidade dos jovens de hoje, a violência tenderá a se perpetuar”, diz a desembargadora Kárin Emmerich, superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica, do TJMG.
A iniciativa mineira se une a outras, em todo o país, com base na mesma ideia: apenas a consciência e a mudança na cultura dos jovens podem fazer com que eles interrompam o ciclo da violência. É o caso da proposta “Maria faz a diferença na escola”, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), que já passou por mais de 20 escolas de Campo Grande, envolvendo jovens de 14 a 19 anos. Os professores também participam da ação, como ouvintes.
“Muitos jovens nos procuram depois das palestras, contando as situações particulares de violência ou assédio que presenciam em suas vidas. Capacitar os professores é importante para que eles também possam orientá-los ao longo do ano”, explica Wilmar Nery, um dos servidores que trabalham no projeto. Depois da palestra, são distribuídos gibis, jogos e alguns informativos, que os alunos levam pra casa para que, de algum modo, o conteúdo possa alcançar a família dos jovens.
Maria da Penha – A Lei 11.340/06 ganhou o nome Maria da Penha em homenagem à biofarmacêutica que se tornou ícone da luta contra a violência doméstica. Após duas tentativas de homicídio, com uso de arma de fogo, pelo seu então marido e pai de suas três filhas, Maria da Penha ficou paraplégica e, desde então, se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres.
A lei alterou o Código Penal (artigo 129), possibilitando que agressores de mulheres em âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Os agressores também não podem mais ser punidos com penas alternativas. A legislação aumentou também o tempo de detenção e criou as chamadas medidas protetivas, que vão desde a remoção do agressor do domicílio à proibição de sua aproximação da mulher agredida.
A violência doméstica contra a mulher vem sendo discutida pelo CNJ desde 2007. Uma vez ao ano, o Conselho realiza a Jornada de Trabalhos sobre a Lei Maria da Penha, que auxiliou na implantação das varas especializadas nos estados brasileiros. Desde a Lei Maria da Penha, já foram criados aproximadamente 100 juizados ou varas de violência doméstica em todo o País.
O CNJ também possibilitou a criação do Fórum Permanente de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), bem como incentivou a uniformização de procedimentos das varas especializadas em violência doméstica e familiar contra a mulher. Em 2014, criou o Movimento Permanente de Combate à Violência contra a Mulher, que vem acompanhando de perto o cumprimento da Resolução 128/2011, que determinou a criação das Coordenadorias Estaduais da Mulher no âmbito dos Tribunais e suas competências.
Números – Dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência, revelam que, nos primeiros dez meses de 2015, o Brasil registrou uma denúncia de violência a cada sete minutos pela Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – Ligue 180. O balanço mostra também que 85,85% desses relatos ocorreram no ambiente familiar e doméstico, por cônjuges, ex-cônjuges, namorados e ex-namorados e em 27% dos casos, a vítima foi agredida por algum amigo, familiar, vizinho ou conhecido.
Considerando os indicadores internacionais, o Brasil possui também índices excessivamente elevados de homicídios femininos. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil registra uma taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, em 2013, colocando o país 5ª posição internacional, entre 83 países do mundo, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e a Federação Russa. Nos países analisados, a taxa média foi de 2,0 homicídios por 100 mil mulheres. A taxa de homicídios femininos do Brasil, de 4,8 por 100 mil, resulta 2,4 vezes maior que a taxa média internacional.
Regina Bandeira
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