Pedido da Promotoria Estadual retoma caso da mulher espancada por PMs, que completa um ano hoje, e que tinha sido arquivado pela Justiça Militar
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou a reabertura das investigações na esfera civil da morte de Luana Barbosa dos Reis por traumatismo crânio encefálico e isquemia cerebral. Luana faleceu na noite do dia 13 de abril de 2016, cinco dias após ser abordada e espancada por três policiais militares no bairro Jardim Paiva II, na periferia de Ribeirão Preto, no interior paulista. A história dela foi retratada no livro “Mães em Luta – dez anos dos crimes de maio de 2006”, idealizado pelo Movimento Mães de Maio e de autoria dos repórteres da Ponte Jornalismo, lançado em outubro do ano passado, em São Paulo, e no início de abril deste ano, em Salvador.
(Ponte Jornalismo, 13/04/2017 – acesse no site de origem)
O caso havia sido arquivado pela Justiça Militar de São Paulo (JMSP) na esfera penal no início de fevereiro. A promotora da JMSP Robinete Le Fosse pediu o arquivamento por entender que não havia indícios de ”materialidade delitiva”. Ou seja, para Robinete não é possível comprovar quais dos policiais investigados foram os autores das agressões.
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A decisão do Tribunal de Justiça devolve as investigações para a Justiça Comum (1ª Vara do Júri e das Execuções Criminais do Foro de Ribeirão Preto) e atende ao pedido de Eliseu José Berardo Gonçalves, promotor de Justiça Estadual que entendeu que houve homicídio e solicitou a reabertura do caso.
As dificuldades nas investigações
No dia 13 de maio de 2016, o juiz Luiz Augusto Freire Teotônio negou o pedido de prisão temporária de Douglas Luiz de Paula, Fábio Donizeti Pultz e André Donizeti Camilo, policiais do 51º Batalhão da Polícia Militar, suspeitos de terem participado do espancamento da vítima. Na decisão, o juiz também remeteu os autos do processo à Justiça Militar, por entender que não havia elementos para concluir que se tratava de um crime contra a vida.
O advogado Daniel Rondi, assistente de acusação da família de Luana, contou que não foi informado das mudanças ocorridas nos autos processuais. ”Protocolei um pedido para ser notificado sobre as alterações, mas não tive mais notícias desde que a família foi ouvida na Justiça Militar. Também não consegui ter acesso ao documento que mostra a decisão da Justiça Militar e não pude questionar a decisão de arquivamento”, diz Rondi.
A advogada Flavia Meziara, que representa a família de Luana, criticou o julgamento na Justiça Militar e explicou que houve a tentativa de desvincular a agressão da morte. ”Eles tentaram descaracterizar a todo tempo a responsabilidade dos policiais. Perguntaram se a Luana praticava artes marciais e se ela havia sido medicada na casa da irmã, após ter sido agredida. Perguntaram mais do dia em que ela ficou na casa da irmã do que o dia da abordagem. Foram questionamentos tendenciosos, para mostrar que o que havia acontecido com ela não tinha relação com a abordagem policial”, avalia Meziara.
Na esfera civil, a advogada entrará com uma ação de indenização para o filho e para a mãe de Luana até o início de maio. ”A indenização não traz a Luana de volta, mas é um meio de prover o filho dela com recursos materiais e de punir o Estado pelo homicídio”, diz a advogada.
O outro lado
Procurado pela Ponte Jornalismo, o Ministério Público de São Paulo informou que a procuradora Robinete Le Fosse se encontra de licença e preferia não se manifestar sem estar ”com os autos em mãos”. Sobre o pedido de entrevista com a juíza que determinou o arquivamento do processo na Justiça Militar, o Tribunal de Justiça informa que não há informações disponíveis, pois o caso se encontra em segredo de Justiça.
A reportagem também questionou a Polícia Militar e foi informada de que os cabos PM Fábio Donizeti Pultze e André Donizeti Camilo continuam na execução de Serviços Administrativos no Batalhão, ou seja, estão trabalhando em serviços internos. Já o cabo PM Douglas Luiz de Paula se aposentou por já ter atingido o tempo de serviço na instituição.
Lembrando o caso
Segundo familiares entrevistados pela Ponte Jornalismo, na noite de 08 de abril de 2016, Luana Barbosa dos Reis levava seu filho a um curso de informática quando parou em frente a um bar para cumprimentar um amigo e foi abordada por policiais militares que circulavam na área, localizada no bairro Jardim Paiva II, na periferia de Ribeirão Preto.
Ao perguntar por que estava sendo abordada e exigir a presença de uma policial, Luana recebeu um soco e um chute, que a derrubou no chão, segundo contaram testemunhas aos familiares. Ao se levantar, Luana deu um soco na boca de um dos policiais e um chute no pé do outro, sendo, na sequência, espancada por três PMs com cassetetes e com o capacete que usava.
Após a abordagem, Luana foi levada para a delegacia, onde foi registrado um termo circunstanciado. “Joguei ela no meu ombro e fiz ela assinar o B.O. Ela não estava enxergando, fui tentando guiar ela para assinar. Eles falaram que se não assinasse, a gente não ia sair dali”, relatou à Ponte Jornalismo um dos familiares que acompanharam Luana na delegacia.
Ao sair da unidade, os familiares registraram o vídeo em que Luana relata ter sido ameaçada de morte. “Ela estava desfigurada, quase inconsciente quando saiu. Ela não conseguia abrir os olhos, estava com a fala enrolada”, relatou a irmã Roseli à Ponte.
No vídeo, Luana pede para ir para casa tomar um banho. Por medo de represálias, familiares decidiram levá-la para a casa de uma das irmãs dela. Ela foi internada no Hospital das Clínicas no dia seguinte, após apresentar febre e reclamar de dores. No dia 13 de abril, cinco dias após a abordagem, Luana faleceu devido a um traumatismo crânio encefálico e a uma isquemia cerebral.
Para não deixar cair no esquecimento
Para lembrar a morte de Luana, o coletivo ”Luana Barbosa” lançará o documentário “Eu Sou a Próxima”. Produzido pelo coletivo formado por mulheres negras de periferias de São Paulo, o filme traz relatos de agressões e mortes de mulheres lésbicas, entre eles o caso de Luana Barbosa dos Reis. O lançamento vai acontecer nesta quinta (13), às 19 horas, na sede da Ação Educativa, em São Paulo.
por Alê Alves, especial para Ponte Jornalismo