Autoridades precisam de uma melhor formação para promover a responsabilização dos autores de violência contra mulheres
(El País, 10/12/2016 – acesse no site de origem)
Terminam hoje, no dia internacional dos direitos humanos, dezesseis dias de ativismo global contra a violência de gênero. A convergência não é coincidência; busca enfatizar que os direitos das mulheres são direitos humanos. Isso pode parecer óbvio nos dias de hoje, mas nem sempre foi assim. Há 25 anos, a Human Rights Watch publicou um relatório denunciando absolvições de homens que matavam suas esposas ou namoradas no Brasil sob a justificativa de “legítima defesa da honra”.
A legislação brasileira avançou muito desde então. A aprovação da lei Maria da Penha em 2006 foi um marco, estabelecendo uma série de dispositivos que protegem os direitos das mulheres, previnem a violência e promovem a justiça quando a violência ocorre. Uma das principais conquistas da lei foi a previsão da concessão de medidas protetivas que normalmente exigem que o suposto agressor de uma mulher não possa dela se aproximar. A obtenção dessas medidas protetivas e a garantia de que sejam cumpridas, entretanto, continuam a ser mais difíceis do que deveriam.
Apesar dos avanços legislativos, mais de 4.700 mulheres no Brasil foram mortas em 2013 – o último ano para o qual há dados disponíveis – metade delas por um parente, companheiro ou ex-companheiro. Muitas outras foram vítimas de tentativas de homicídio, estupro ou espancamento.
“Rita”, uma mulher de 36 anos de idade, que conhecemos em Recife em outubro, pediu que seu companheiro saísse do barraco onde moravam após sofrer agressões por vários anos. O homem voltou ao barraco durante a noite e atirou três vezes contra ela. Isso foi há mais de dez anos, mas a cicatriz deixada por um dos tiros permanece bem visível em seu braço. A polícia falou com Rita uma vez no hospital –onde ficou seis meses–, mas, pelo que ela sabe, nunca investigou o caso de maneira séria.
Posteriormente, Rita sofreu agressões de outros parceiros. Ela nos disse que obteve três medidas protetivas, mas que nunca foram fiscalizadas. Quando a conhecemos, ela estava sendo ameaçada por um ex-namorado. “Estou com medo da morte”, nos revelou. “Sou consciente de que se eu morrer vai ficar impune. Não tenho nenhum valor para a justiça porque eu não tenho condições”.
O monitoramento das medidas protetivas é um grande desafio no Brasil. A polícia visita mulheres que têm medidas protetivas apenas em alguns municípios. Ainda assim, elas ajudam muitas mulheres ao mandar um aviso aos agressores de que o sistema de justiça está de olho.
O problema, para algumas mulheres, é antes conseguir a medida protetiva, como foi o caso de Mariana Marcondes. Um juiz de São Paulo negou a ela a proteção, exigindo mais evidências do que seu próprio testemunho sobre a agressão que sofria do marido, Chateaubriand Diniz. Mariana permaneceu desprotegida mesmo depois de Chateaubriand ter sido condenado por ameaçar, bater e confiná-la. Em 17 de setembro deste ano, ele a esfaqueou até a morte.
A polícia, promotores públicos e juízes precisam de uma melhor formação para prevenir, investigar e promover a responsabilização dos autores de violência contra mulheres. E os estados e municípios devem melhorar os serviços sociais e psicológicos que essas mulheres vítimas de violência necessitam para sobreviver e retomar suas vidas.
Rita está certa quando diz que mulheres pobres, sem possibilidade de pagar por advogados ou psicólogos, estão especialmente vulneráveis. A violência doméstica, contudo, também afeta mulheres em melhores condições econômicas.
Mulheres mais abastadas frequentemente permanecem em relacionamentos abusivos para proteger, por exemplo, a educação de um filho que é custeada pelo agressor, segundo nos disse Maria da Penha, a sobrevivente e ativista que deu nome à lei. Seja a mulher rica ou pobre, “pequenas” agressões muitas vezes progridem para uma violência devastadora.
O Estado precisa dar o necessário apoio às mulheres para que elas estejam livres de violência não apenas no dia internacional dos direitos humanos, mas todos os dias.
César Muñoz Acebes e Amanda Klasing