(Extra, 21/08/2016) Nem o policiamento da Força Nacional em seu interior e das Forças Armadas no entorno impediu os crimes dentro da Vila Olímpica, na Zona Oeste do Rio, a casa dos atletas no período dos Jogos Olímpicos. Desde a inauguração dos 31 prédios, em 24 de julho, até a última quinta-feira, foram registrados 27 casos no local — uma média de mais de um por dia. O levantamento inédito foi feito pelo EXTRA com base em dados da Polícia Civil.
Apesar de a Vila Olímpica ter abrigado cerca de 15 mil atletas e membros de delegações de todo o mundo, a maior parte das vítimas de crimes trabalhava como camareira no local. Ao todo, 11 casos foram registrados por mulheres contratadas para limpar os apartamentos dos atletas.
O último caso de violência contra camareiras foi registrado na última quinta-feira na 42ª DP (Recreio) por três camareiras, de 18, 19 e 20 anos contra dois campeões olímpicos. Ao EXTRA, uma delas afirmou que os dois homens tentaram agarrá-las dentro do apartamento onde estão hospedados. Os atletas foram identificados como Semi Tani Qerelevu Kunabuli e Leone Nakarawa, da seleção de Fiji campeã olímpica do rúgbi de 7 no Rio.
— Eu estava com duas amigas limpando o apartamento com a porta aberta. Eram 16h. De repente, dois homens enormes apareceram na porta e começaram a tentar agarrar a gente. Os dois estavam claramente alcoolizados. Um das minha amigas estava no banheiro. Um deles começou a cercá-la lá dentro, enquanto o outra colocava a mão na boca e fazia um gesto para que ficássemos caladas. Eles só pararam porque começamos a gritar, correr e chamar a atenção de mais gente no corredor. Só nos sentimos seguras quando encontramos nossa supervisora — contou uma das mulheres.
O caso foi registrado como “perturbação da tranquilidade”. Os dois atletas fizeram acordo com a Justiça e vão pagar R$ 1.500, cada um, para terem seus passaportes liberados e poderem deixar o país. O valor será revertido em suprimentos de informática para a Divisão de Homicídios. Já os remadores búlgaros Georgi Bozhilov e Kristian Vasilev tiveram mais sorte: acusados de agredir camareiras, eles já saíram do Brasil.
Furtos são maioria
Casos de furtos foram os mais recorrentes dentro da Vila. Ao todo, foram 19 registros, feitos por atletas, membros de delegações, funcionários que trabalham no local e voluntários. O furto de maior valor registrado teve como vítimas dois atletas da delegação iraniana de atletismo, Ehsan Hadadi e Reza Ghasemi. Os dois foram furtados enquanto participavam de competições no Engenhão, no último dia 12. Ao todo, 2.770 dólares e mil euros foram levados. Em depoimento, os atletas disseram que o furto aconteceu após uma faxina ser feita nos quartos, pois eles perceberam que o local havia sido limpo recentemente.
Já no dia 7, representantes da delegação da Grã-Bretanha foram à 42ª DP para registrar o furto de sete malas da equipe de natação, duas da equipe de rúgbi e uma bicicleta. Nas malas, furtadas dentro da Vila, estavam roupas de competição, uniformes dos times e acessórios usados pelos atletas.
Em alguns casos, os responsáveis pelos crimes foram presos em flagrante. No dia 7, Tania Kura, chefe da delegação da Nova Zelândia, reportou à Força Nacional o furto do celular do atleta de remo do país Jonathan Francis Wright. Todas as equipes responsáveis pelas revistas nos acessos da Vila foram informados. Quando ia embora do local após o expediente, Lorran da Fonseca, que era funcionário do setor de limpeza da Vila, foi surpreendido: na revista, os policiais encontraram com ele o celular do atleta.
Relembre os casos
Os remadores búlgaros Georgi Bozhilov e Kristian Vasilev foram acusados de agredir quatro camareiras. De acordo com o relato das vítimas na delegacia, por volta das 9h do dia 14, elas arrumavam os quartos dos atletas quando um deles pegou na gola da blusa de uma delas e a enforcou. Depois de largá-la, ele “pegou uma vassoura e começou a agredir outras três camareiras” que estavam lá. As mulheres contaram que o outro acusado não impediu. Os dois já deixaram o Brasil. Em entrevista à Nova TV da Bulgária, eles negaram o crime. “Várias empregadas estavam sentadas no nosso quarto, era óbvio que não estavam se preparando para limpar, e eu lhes pedi para sair”, disse Bozhilov.
Logo no início das competições, a 42ª DP prendeu, na Vila, os boxeadores Hassan Saada, do Marrocos, e Jonas Junius, da Namíbia, acusados do estupro de duas camareiras. Os dois foram beneficiados por habeas corpus, mas continuam no Rio respondendo a processos judiciais. Nos dois casos, as vítimas acusam os lutadores de terem tentado beijá-las e tocar seus corpos.
Jonas Junius chegou a competir nos Jogos. Em sua luta, depois de ser solto, o atleta ganhou aplausos e chegou a contar com parte da torcida a seu favor, mas foi derrotado pelo francês Hassan Amzile. Junius, que foi o porta-bandeira da Namíbia na cerimônia de abertura, teria oferecido dinheiro à vítima para que fizesse sexo com ele.
Uma das ocorrências terminou em demonstração de solidariedade da equipe francesa de handebol. A atleta Gnonsiane Niombla teve 50 euros (cerca de R$ 176) furtados dentro de seu apartamento. Quando as atletas da seleção souberam que a autora do crime foi uma camareira com problemas familiares, o time se uniu e deu o dinheiro a ela.
Confusão na fila e omissão de socorro
Um dos crimes registrados na 42ª DP aconteceu por conta de uma confusão na fila para passar pelos detectores de metal na entrada da Vila. No dia 5 de agosto, só quatro equipamentos estavam funcionando. Um membro da delegação britânica, então, tentou entrar no local furando o bloqueio da Força Nacional. Agentes pediram para que ele parasse. Como continuou andando, foi detido e levado para a delegacia.
Um massoterapeuta foi detido pela Força Nacional no refeitório da Vila por ter se recusado a atender um homem que passava mal no local. Ele, segundo depoimentos, portava um crachá com os dizeres “Serviços Médicos”, tem cursos de primeiros socorros e tinha a obrigação de, no mínimo, comunicar o fato ao médico mais próximo.
Rafael Soares
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