Organização dos direitos humanos destacou execuções extrajudiciais no país pelo segundo ano seguido em seu relatório mundial; violência doméstica generalizada também é tratada.
(G1, 18/01/2018 – acesse no site de origem)
As mortes cometidas por policiais brasileiros e a violência doméstica generalizada seguem como problemas crônicos do Brasil, segundo relatório da organização Human Rights Watch (HRW) divulgado nesta quinta-feira (18).
No texto destinado ao Brasil de seu relatório mundial, a HRW denuncia pelo segundo ano seguido as execuções extrajudiciais no país, o que segundo ela “colocam em risco a vida de outros policiais que ficam sujeitos à retaliação pelos violentos abusos dos colegas, e acabam por aumentar a violência durante confrontos com suspeitos”.
A organização defende que medidas decisivas sejam tomadas para conter violência policial.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 437 policiais foram mortos no Brasil em 2016, a grande maioria fora do horário de serviço. No mesmo ano, 4.424 pessoas foram mortas por policiais no país, um aumento de 26% em relação ao ano anterior.
A HRW destaca informações de dois estados. Em São Paulo, 494 pessoas foram mortas por policiais em serviço entre janeiro e setembro de 2017, número 19% superior que o registrado no mesmo período de 2016 – após dois anos de queda nos indicadores. No Rio de Janeiro, as mortes por policiais durante o trabalho entre janeiro e novembro de 2017 chegaram a 1.035, 27% a mais que no mesmo período do ano anterior.
A Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro enviou uma nota afirmando que “tem como principais diretrizes a preservação da vida e dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias”. O texto cita programas da secretaria para reduzir a letalidade por oposição à intervenção policial. Afirma ainda que a secretaria vai adequar o conteúdo de academias de polícia a normas internacionais de direitos humanos (veja a íntegra do posicionamento abaixo).
A Secretaria da Segurança de São Paulo afirma, em comunicado, que são desenvolvidas ações para redução da letalidade policial e que todos os casos de mortes decorrentes de oposição à intervenção policial “são investigados por meio de inquérito e só são arquivados após minuciosa investigação”. Informou, ainda, que em 2017, o índice de criminosos que morreram após reação da polícia foi de 18% (veja a íntegra do posicionamento abaixo).
A organização ressalta que documentou dezenas de casos nos últimos anos nos quais há evidências de execuções extrajudiciais ou de acobertamento dos autores. Um dos citados é o da morte de 10 trabalhadores rurais no Pará por policiais em maio de 2017.
Em outubro, o Congresso aprovou uma lei que determina que membros das forças armadas acusados de homicídios contra civis em ações de segurança pública sejam julgados por tribunais militares, e não já justiça comum, como preveem as normas internacionais – o que segundo a organização agrava a situação.
“A polícia no Brasil precisa desesperadamente da cooperação da comunidade para combater os elevados índices de criminalidade que afligem o país”, afirma a diretora da HRW no Brasil, Maria Laura Canineu.
Superlotação carcerária
O relatório brasileiro também destaca a superlotação das prisões – que operavam com 197% de sua capacidade, segundo dados de 2016 do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. A HRW cita os casos de mortes de presos em episódios de violência em penitenciárias no ano passado, que apenas em janeiro deixaram 120 mortos.
Além da superlotação, milhares de presos levam meses até participarem de uma audiência de custódia – em 2016, 40% dos detentos ainda aguardavam julgamento. E não só a análise dos autos é demorada: denúncias de maus-tratos frequentemente não são investigadas adequadamente.
A superlotação também atinge centros socioeducativos para menores – em 2016, eram 24 mil abrigados em 19,4 mil vagas. A HRW cita casos de mortes ocorridas em junho do ano passado, entre eles o de sete internos que foram mortos em um tumulto na Paraíba. A organização também destaca as frequentes denúncias de maus tratos de adolescentes por funcionários – abusos que muitas vezes não são investigados e punidos.
Violência contra a mulher
Outro destaque do relatório deste ano diz respeito à violência contra a mulher e ao aborto legal. Atualmente, o aborto só é permitido no Brasil em casos de estupro, para salvar a vida da mãe ou quando o feto tem anencefalia.
Dois casos que pedem a descriminalização geral são analisados pelo Supremo Tribunal Federal – mas em novembro uma comissão da Câmara aprovou um projeto de lei que vista proibir o aborto em qualquer circunstância, fazendo a lei atual retroceder.
O texto desta os números do aborto no país: em 2015, o Ministério da Saúde informou à organização que foram realizados 1.667 abortos legais, enquanto a última pesquisa nacional sobre aborto estima que 416 mil mulheres tenham realizado o procedimento no mesmo ano.
O relatório ainda trata da Lei Maria da Penha, que segundo a HRW ainda tem sua implementação incompleta, com delegacias especializadas sem recursos suficientes e os casos frequentemente impunes.
Direitos trabalhistas
A HRW também destaca a recorrência de casos de trabalhadores em situação análoga à escravidão, e a redução nas inspeções por parte do Ministério do Trabalho. O texto ainda cita a portaria do governo modificava regras de combate e fiscalização do trabalho escravo, alvo de críticas de entidades defensoras dos direitos dos trabalhadores e suspensa pelo STF.
Destaque internacional – resistência ao populismo
No âmbito internacional, o relatório destaca a ascendência de líderes populistas autoritários, que usam o nome do “povo” para angariar seguidores e justificar perseguições a minorias impopulares.
O texto lembra que dois tradicionais defensores dos direitos, EUA e Reino Unido, encontram-se distraídos com seus próprios problemas – os EUA com o presidente Donald Trump, um expoente do setor e que exibe simpatia por líderes autoritários que esmagam direitos, e Londres com a saída da União Europeia.
Com isso, abre-se espaço para governos autoritários como China e Rússia suprimirem protestos e promoverem agressões contra os direitos internacionalmente. E em um mundo com ataques terroristas constantes, xenofobia e islamofobia são cada vez mais alimentadas – e a resposta mais comum é um ataque contra os direitos humanos.
Leia a íntegra da nota do governo do Rio de Janeiro
A Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) tem como principais diretrizes a preservação da vida e dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias. O secretário de Segurança, Roberto Sá, estabeleceu a Instrução Normativa nº 1 com diretrizes para as polícias Civil e Militar atuarem em áreas sensíveis.
É necessário contextualizar que as polícias Civil e Militar apreenderam 499 fuzis em 2017. A maioria após intensa troca de tiros que não raramente acaba vitimando policiais e moradores em bolsões de miséria cuja configuração de becos e vielas dificulta o acesso do poder público e a segurança do policial.
Em dezembro de 2017, segundo o Instituto de Segurança Pública, houve uma redução de 23,1% no número de vítimas de homicídios decorrente de oposição à intervenção policial em comparação ao mesmo período de 2016. A Polícia Militar estabeleceu como meta mínima para 2018 a redução de 20% neste indicador e de 35% nos disparos de armas de fogo.
Desde 2011, a Seseg passou a inserir no sistema de metas a letalidade policial como um os indicadores que compõe a Letalidade Violenta com metas para a sua redução e monitoramento mensal. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e a Seseg vão revisar todo o conteúdo de academias das polícias, cursos e capacitações para total adequação às Normas Internacionais dos Direitos Humanos e Princípios Humanitários.
A Secretaria criou o Programa de Gestão e Controle do Uso da Força para avaliar e capacitar os policiais nos batalhões com maiores registros de letalidade violenta. Além disso, incumbiu a Divisão de Homicídios (DH) para investigar os homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial.
Leia a íntegra da nota do governo de São Paulo
A SSP informa que não comenta estudos cuja metodologia desconhece, porém é importante dizer que são desenvolvidas ações para redução da letalidade policial. Toda a ocorrência é acompanhada, monitorada e analisada para constatar se a ação policial foi realmente legítima. Em 2017, o índice de criminosos que morreram após reação da polícia foi de 18%.
Para dar maior qualidade às investigações que envolvem agentes de segurança, foi implementada a Resolução SSP 40/2015, que exige o comparecimento da Corregedoria da PM, do comando local e de uma equipe de perícia específica, além do acionamento do Ministério Público. Todos os casos de mortes decorrentes de oposição à intervenção policial (MDOIP) são investigados por meio de inquérito e só são arquivados após minuciosa investigação, seguida da ratificação do Ministério Público e do Judiciário.