(O Globo, 24/08/2016) Investigação identifica ao menos 124 relatórios médicos, a maioria de sauditas
O site Wikileaks se tornou conhecido por ter revelado ao mundo o assassinato de jornalistas por militares americanos no Iraque, pelo vazamentos dos e-mails da candidata democrata à presidência dos EUA, Hillary Clinton, entre outras divulgações de documentos secretos de governos de vários países. Mas entre os dados publicados estão informações sensíveis e privadas de pessoas comuns, como arquivos médicos de vítimas de estupro, pessoas com deficiência mental e crianças.
De acordo com investigação da Associated Press, em dois casos, o Wikileaks revelou a identidade de adolescentes vítimas de estupro. Num terceito caso, a organização publicou o nome de um cidadão saudita preso por ser gay, sendo que homossexuais na Arábia Saudita são extremamente discriminados, podem ser presos ou até mortos.
Em uma mensagem publicada no Twitter, o Wikileaks negou essa terceira acusação:
“Não, Wikileaks não revela ‘gays’ para o governo saudita. Os dados são do governo e não vazados por nós. A história é de 2015, e foi retomada por causa da eleição”, rebateu a organização.
Contudo, uma vítima de vazamentos contou que detalhes sobre sua disputa judicial pela paternidade do filho com uma ex-companheira foram divulgados para o mundo.
— Eles publicaram tudo: meu telefone, endereço, nome, detalhes — disse a vítima, à Associated Press. — Se a família da minha esposa visse isso… Publicar informações pessoais como essas pode destruir as pessoas.
Não é a primeira vez que o Wikileaks se envolve em casos sobre privacidade. O site ganhou notoriedade em 2010, quando em colaboração com os jornais “Guardian”, “Der Spiegel” e “New York Times”, publicou milhares de documentos secretos das forças armadas americanas vazados por Chelsea Manning, que até hoje está presa pelo vazamento. Entre as informações estava um vídeo mostrando um helicóptero americano fuzilando um grupo de iraquianos, incluindo vários jornalistas. O caso ficou conhecido como “assassinato colateral”.
Mas no mesmo caso, o site foi duramente criticado por ter publicado nomes e outras informações de cidadãos civis afegãos, que teriam colaborado com as forças americanas. A publicação foi considerada “incrivelmente irresponsável” pela organização Repórteres Sem Fronteiras e outros grupos ativistas, já que colocou em risco a vida dessas pessoas, que poderiam ser perseguidas pelo Talibã.
Fundado por Julian Assange, que se encontra asilado na embaixada do Equador em Londres, o Wikileaks foi criado com a intenção de publicar informações secretas e censuradas de governos, divulgando dados sobre guerras, espionagem e corrupção para o público. A biblioteca de documentos cresce rapidamente. Documentos diplomáticos da Arábia Saudita foram publicados no ano passado, mas eles possuem registros médicos de ao menos 124 pessoas, alguns descrevendo pacientes com problemas psiquiátricos, crianças e refugiados.
— Isso não tem nada a ver com política ou corrupção — disse ao “Guardian” Nayef al-Fayez, médico em Amã, capital da Jordânia, que confirmou que dados de um de seus pacientes, com câncer no cérebro, está entre os que tiveram informações vazadas.
A Associated Press conseguiu entrar em contato com 23 dos pacientes, a maioria na Arábia Saudita. Muitos não sabiam que seus dados pessoais estavam publicados na internet, já que o Wikileaks é bloquado no país. Uma mulher que secretamente contraiu dívidas para cuidar de um parente doente se disse devastada:
— E se os meus irmãos, vizinhos, pessoas que eu conheço virem isso? Por que publicaram a minha história — disse ela.
Acesse o PDF: Wikileaks publica dados privados de crianças e vítimas de estupro (O Globo, 24/08/2016)