(O Globo, 30/03/2014) A intolerância e o machismo existentes no Brasil, quantificados na última quinta-feira em pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) — que revelou que 65% dos entrevistados concordam que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” — tiveram mais um desdobramento no sábado, nas redes sociais.
Integrantes do grupo virtual “Eu não mereço ser estuprada”, que mobilizou a internet nos últimos dias, sofreram ameaças de estupro pelo Facebook. Na noite de anteontem, o grupo chegou a ter a página hackeada e o nome da comunidade foi trocado para “M de medo”. Os administradores resolveram então fechar a página, antes aberta para leitura e comentários.
Se as ameaças violentas vieram dos homens, o público feminino foi responsável por grande parte das ofensas e reprimendas publicadas.
— As mulheres diziam: Espero que você seja estuprada, você não tem intelecto. Foram muitas mensagens raivosas de mulher — contou a jornalista e escritora Nana Queiroz, criadora da página.
A violência foi tanta que um grupo chegou a criar um evento no Facebook convocando internautas para um “estupro coletivo” das mulheres do “Eu não mereço ser estuprada”. Ontem pela manhã, Nana, uma das vítimas das ameaças, disse que “experimentou na pele” os resultados demonstrados pela pesquisa do Ipea:
“Amanheci de uma noite conturbada. Acreditei na pesquisa do IPEA e experimentei na pele sua fúria. Homens me escreveram ameaçando me estuprar se me encontrassem na rua, mulheres escreveram desejando que eu fosse estuprada”, escreveu.
Ao GLOBO, ela disse que vai prestar queixa na delegacia da mulher de Brasília por crime de incitação à violência.
— Me disseram coisas bem baixas, e a maioria das ameaças foi pública. Estou na delegacia da mulher e vou prestar queixa por crime de incitação à violência.
Convocada anteontem, a campanha pedia que mulheres tirassem a roupa e se fotografassem da cintura para cima, carregando um cartaz com os dizeres “Eu também não mereço ser estuprada”. Indignadas com os dados da pesquisa, muitas mulheres aderiram ao protesto online e postaram fotos seminuas. Na campanha, elas substituíram suas fotos de perfil e capa por imagens de apoio ao protesto. O ato contou também com a participação de homens, que se revoltaram com o pensamento predominante revelado pela pesquisa.
No DF, mulheres poderão descer do ônibus fora do ponto
Por questões de segurança, mulheres poderão descer dos ônibus fora do ponto de parada, a partir das 22h, no Distrito Federal. Decreto nesse sentido foi publicado pelo governo do Distrito Federal na edição de anteontem. As empresas de transporte coletivo deverão divulgar, em local visível, a nova regra.
Segundo Marco Antonio Campanella, diretor-geral da DFTRANS, autarquia responsável pelo transporte público no Distrito Federal, a medida foi motivada por pedido da Secretaria de Mulheres e por reclamações feitas por usuárias dos serviços de ônibus.
— Algumas paradas são muito distantes, em locais onde a iluminação não é a mais adequada — disse ele: — O objetivo é criar um ambiente mais propício para a integridade física das mulheres, que são as maiores vítimas nas regiões mais distantes.
Ainda de acordo com Campanella, as empresas que não seguirem a nova determinação estarão sujeitas à multa, em valor ainda a ser estipulado.
“Após as 22 horas, os condutores dos veículos de transporte coletivo, sempre que solicitados, deverão parar os ônibus, para possibilitar o desembarque de pessoas do sexo feminino, em qualquer lugar onde seja possível estacionar, respeitado o trajeto da linha, ainda que fora do ponto de parada”, diz trecho do decreto.
Acesse o PDF: Participantes de protesto virtual são hostilizadas pela internet