Políticas frágeis no combate à violência contra a mulher

31 de maio, 2014

(O Globo, 31/05/2014) Casada há mais de duas décadas, X., de 47 anos, foi de esposa a vítima quatro anos atrás. Em 2010, passou a sofrer ataques verbais e intimidações. O parceiro a xingou de “piranha” por usar maquiagem, começou a segui-la e ameaçou incendiar a casa. Depois, vieram as agressões físicas. A mulher entendeu que a violência morava em seu lar apenas quando recebeu, por acaso, um folheto sobre o assunto da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres do município em 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Uma semana depois, procurou o Centro Especializado de Atendimento à Mulher Chiquinha Gonzaga, na Praça Onze. E também uma delegacia, onde deu queixa contra o marido. Há uma semana, saiu decisão da Justiça que obriga o agressor a deixar o apartamento onde ainda vivem juntos.

— Quando vi o folheto, entendi que me encaixava naquela situação. Eu queria me convencer de que o caso não era grave. Não tinha coragem de denunciá-lo. Temos três filhos e sei que, para eles, às vezes parece que sou eu a errada — lamenta a mulher.

A história de X. é exemplo de como as políticas públicas de gênero têm impacto na vida de mulheres. Dados recentes do IBGE, no entanto, mostram que projetos, programas e ações promovendo igualdade e defesa dos direitos delas ainda precisam avançar no estado e no país. Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2013, o Rio é uma das unidades da Federação com menor orçamento de gênero em relação o Produto Interno Bruto. Em 2012, foram executados R$ 2,05 para cada R$ 1 milhão produzido, valor acima apenas do Pará, com R$ 0,65. Pernambuco ficou em primeiro lugar, com R$ 197,18. Os valores incluem verbas de diferentes níveis de governo, todas voltadas exclusivamente para ações de gênero.

Coragem para denunciar: X. deu queixa contra o marido depois de quatro anos de agressões verbais e físicas; folheto sobre violência contra a mulher foi incentivo para procurar ajuda em centro de atendimento municipal do Rio - Márcia Foletto

Coragem para denunciar: X. deu queixa contra o marido depois de quatro anos de agressões verbais e físicas; folheto sobre violência contra a mulher foi incentivo para procurar ajuda em centro de atendimento municipal do Rio – Márcia Foletto

Maioria dos estados não tem secretaria

Entre os fatores que influenciam a alocação de recursos está a estrutura de órgãos voltados para as políticas para mulheres. Segundo a pesquisa, em 2013, onze estados, ou menos da metade do total, tinham secretaria exclusiva. Em outros dez — o Rio entre eles —, o órgão dedicado ao tema estava subordinado a outra pasta. Em Amazonas, Pará, Alagoas e Mato Grosso, as secretarias de mulheres funcionavam em conjunto com outras. Ceará e Mato Grosso do Sul tinham órgãos subordinados à chefia do Executivo.

A Estadic 2013 identificou ainda que oito unidades — Roraima, Sergipe, Rondônia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul — não têm orçamento específico para as políticas voltadas para as mulheres. No caso dos dois primeiros, isso ocorre mesmo existindo uma secretaria exclusiva voltada para o assunto.

— É importante analisar os tipos de estruturas existentes. O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres reforça essa questão, porque a existência dessas estruturas fortalece as políticas de gênero — afirma a pesquisadora do IBGE Cristiane Soares. — O estudo mostra contradições, como a existência de secretarias exclusivas em estados que não têm orçamento específico.

Para a titular o 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Rio, Adriana Ramos de Mello, o incremento de políticas públicas de gênero contribuiria para a redução dos crimes contra vítimas do sexo feminino.

— Avalio esses números com muita tristeza. Temos observado que a mulher não tem muitos recursos a seu dispor. Com um orçamento maior, com certeza haveria uma diminuição da violência, porque o trabalho seria feito numa etapa inicial, com ações educativas voltadas para jovens, por exemplo — observa a juíza.

Ela critica a descontinuidade de estruturas de atendimento a mulheres.

— Vemos que muitos projetos terminam quando um governo sucede outro. Isso é o pior que pode acontecer, porque as mulheres que estavam acostumadas a recorrer ao serviço ficam desamparadas. Muitas voltam para o marido. Elas só conseguem romper essa situação com o auxílio de políticas públicas — afirma a juíza, argumentando ainda que as ações dos governos dão amparo à ação do Judiciário. — No Rio, temos nove juizados especializados em violência doméstica, mas o juiz precisa trabalhar em parceria com o Executivo.

Para autoridades, houve avanços

Secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Vera Soares afirma que é necessário fazer observações sobre os resultados indicados pela Estadic.

— Em primeiro lugar, temos um pacto federativo no qual a União não interfere nas políticas e no gasto público dos estados e municípios. O que fazemos é política de indução — explica. — Em segundo, devemos observar que nem só esses valores foram investidos nas mulheres. Essas secretarias têm um papel maior de coordenação que de execução. Há ações de outras pastas, como saúde e educação, por exemplo, para mulheres.

Vera defende que a última década foi de avanços no campo das políticas de gênero. Ela concorda, no entanto, que o tema ainda demanda mais atenção da administração pública:

— A política para as mulheres está em construção e introduz muitas novidades na organização do governo. Ainda há uma longa estrada pela frente.

A visão é compartilhada por Ana Rocha, titular da SPM-Rio, criada ano passado:

— A gente tem de ver essa questão de forma evolutiva. Com certeza, na próxima pesquisa, esses dados já estarão mais positivos. Nos últimos dez anos, houve uma revolução em relação a políticas de gênero. O número de organismos se multiplicou, mas eles ainda são precários. O próximo passo é estruturar e qualificá-los.

A secretária afirma ainda que o Rio ganhará, em breve, novas estruturas, como uma Casa da Mulher Brasileira, espaço que reunirá diferentes serviços de atendimento à mulher. Isso deve aumentar o número de atendimentos. Segundo a SPM-Rio, no ano passado apenas o CEAM Chiquinha Gonzaga recebeu 1.251 mulheres em situação de violência doméstica — um crescimento de 16% em relação ao ano anterior.

A Subsecretaria de Políticas para as Mulhere, subordinada à Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, informou que segue diretrizes do 1º Plano Estadual de Políticas para as Mulheres, definido em 2011. Entre elas estão ampliação e fortalecimento da rede de serviços especializados, capacitação de funcionários, e interiorização da rede de atendimento à mulher.

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