No rol de estratégias utilizadas para minar instituições democráticas, atacar a imprensa livre é uma velha conhecida. Uma face perversa dessa prática vem se manifestando de forma mais recorrente no Brasil, com apoio e participação direta do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos: ofensas de cunho machista e misógino, com o claro intuito de ferir a credibilidade e intimidar jornalistas mulheres.
Os alvos prioritários são profissionais que se destacaram por investigar e revelar aspectos nebulosos sobre a vida política da família Bolsonaro. É o caso de Constança Rezende, Míriam Leitão, Juliana Dal Piva, Marina Dias, Patrícia Campos Mello e Vera Magalhães. São comuns xingamentos de “vadia”, “prostituta” e insinuações de que mulheres jornalistas venderiam seu corpo por notícia.
Os ataques mais abjetos foram dirigidos contra Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, em fevereiro.
Uma enxurrada de imagens e termos de baixo calão se espalhou pelas redes sociais depois que o deputado federal Eduardo Bolsonaro propagou a versão de uma testemunha da CPMI das Fake News, de que a jornalista teria oferecido sexo em troca de informações.
As grosserias foram repetidas pelo presidente, mesmo depois de a jornalista apresentar provas de que a testemunha mentira. Na verdade, as mensagens trocadas com a fonte revelam o contrário: a repórter é quem foi assediada.
Análise das postagens no Twitter durante esse episódio evidencia o foco dos ataques em jornalistas mulheres: os perfis que mais receberam respostas foram os de Patrícia Campos Mello, Vera Magalhães, Míriam Leitão, Andréia Sadi e Mônica Waldvogel.
Casos assim se acumulam desde o início do governo Bolsonaro. Em março de 2019, o presidente e seus apoiadores difundiram nas redes sociais declarações distorcidas da repórter Constança Rezende, então no Estado de S. Paulo. Informações falsas também foram utilizadas para desabonar Míriam Leitão. Jair Bolsonaro mentiu ao afirmar que a jornalista e colunista de O Globo integrara a luta armada contra a ditadura militar e que nunca havia sofrido tortura.
Pesquisa lançada em 2018 pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em parceria com a Gênero e Número, revelou que 84% das jornalistas já sofreram alguma situação de violência psicológica no trabalho, incluindo insultos presenciais ou pela internet, humilhação em público, abuso de poder ou autoridade, intimidação verbal, escrita ou física e ameaças pela internet. Além disso, 70% delas já se sentiram desconfortáveis após abordagens de homens no trabalho.
Esse ambiente hostil se exacerba quando o ocupante da Presidência da República se soma aos que atacam as jornalistas. Não são apenas elas que perdem. Ecoar o machismo e a misoginia aumenta o risco para todas as mulheres brasileiras. Desgastar a liberdade de imprensa desfia o nosso já puído tecido democrático.
Aqueles que têm apreço pela democracia precisam defender as vozes das mulheres jornalistas e se opor às tentativas de intimidá-las. Caladas, jamais serão.