(Brasil Post, 05/11/2015) A violência sexual contra meninas e mulheres constitui uma das formas mais graves de violação aos direitos humanos e é responsável por devastar a vida de UMA vítima a cada 11 minutos em nosso País.
As dificuldades de pedir ajudar ou denunciar são inúmeras, e o Sistema Único de Saúde (SUS) geralmente é a primeira porta (muitas vezes a única) que a vítima procura para buscar apoio.
Não por outra razão, são diversas as legislações e normas técnicas que garantem os serviços para vítimas de violência sexual, entre elas: a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, ratificada pelo Brasil em 1995; a Lei 11.340/06 – Maria da Penha; a Lei 12.845/13 que prevê atendimento imediato e obrigatório no SUS; a Norma Técnica para o tratamento dos agravos da violência sexual de 1999; a Portaria Interministerial 288/15; e as Portarias 1.508/05 e 485/14 do Ministério da Saúde.
O acolhimento humanizado e o atendimento por equipe multidisciplinar (ginecologia, enfermagem, psicologia e serviço social) previstos nessas normativas são fundamentais para evitar que a vítima tenha que passar por diversos locais e repetir por muitas vezes a mesma narrativa, sempre dolorosa.
Além disso, o serviço de saúde deve fornecer à vítima tratamento adequado para prevenir as doenças sexualmente transmissíveis e HIV, bem como para prevenir a gravidez decorrente de estupro, o que significa fornecimento de medicamentos preventivos e contraceptivos.
Na hipótese de gravidez decorrente de estupro, a vítima tem direito à interrupção da gestação, caso seja essa sua decisão.
Pois bem.
Como não há limites para a estupidez humana e há quem trabalhe para piorar a vida das pessoas (pago por nós), no último dia 22 de outubro, num placar de 37 a 14, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5069 de Eduardo Cunha, que dificulta sobremaneira o já sofrido e traumático caminho da vítima de violência sexual que procura atendimento no SUS.
Segundo o projeto de lei, o aborto legal previsto no Código Penal somente será possível se o estupro for “constatado em exame de corpo de delito e comunicado à autoridade policial”, o que é no mínimo absurdo, uma vez que nem todo estupro deixa lesões passíveis de constatação por “exame de corpo de delito”.
Não bastasse, o PL cria para a vítima uma “condicionante” inaceitável: para ter acesso ao sistema de saúde, passa a ser obrigatório acionar o sistema de Justiça Criminal, o que, por si só, pode representar violência psicológica capaz de causar dano psíquico, na hipótese de a vítima não desejar ou não suportar o “ônus” de um processo criminal.
O projeto finaliza criminalizando (de forma genérica e subjetiva) a conduta de agentes que porventura forneçam qualquer orientação à mulher que de alguma forma a induza ao aborto.
Fica a certeza de que, apesar dos inegáveis avanços obtidos nos últimos anos, em especial a partir do advento da Lei Maria da Penha, é justamente no que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos que as meninas e mulheres se tornam mais indignas de direitos. Como se essa fosse a última e poderosa instância de controle da mulher.
Fica a esperança de que a articulação histórica que vem sendo feita pelos movimentos de mulheres, que ganharam as ruas na última semana, desperte a atenção do restante da população, que numa inacreditável passividade, reflexo da naturalização do tratamento discriminatório contra a mulher, ainda não se dá conta do que se pretende com o famigerado projeto de lei.
Além do reforço da cultura de violência, baseada na inferioridade do feminino, o PL tenta impor a todas as mulheres que sofreram a violência sexual tratamento desumano e degradante.
Acesse no site de origem: Querem impor a todas as mulheres que sofreram violência sexual tratamento desumano e degradante, por Silvia Chakian (Brasil Post, 05/11/2015)