Questões de gênero, por Marta Suplicy

08 de abril, 2016

(Folha de S. Paulo, 08/04/2016) Jogada no chão, ensopada por gasolina e com um descontrolado com isqueiro na mão gritando para ela dizer que não era culpado, a juíza Tatiane Moreira Lima teve a pior experiência da sua vida.

Coordenadora da Vara de Violência Doméstica no Fórum do Butantã, Tatiane reagiu de forma adequada para não morrer e mostrou controle e cabeça para se manifestar com frase marcante: “Sofri um ataque de gênero”. Disse acreditar que, se fosse um juiz homem, “talvez o agressor não tivesse a mesma atitude comigo”.

Num aspecto mais amplo, ela pondera que também foi um ataque aos que protegem mulheres, nesse caso o Poder Judiciário.

Por que a questão de gênero é tão importante? Esse conceito é usado para a compreensão da desigualdade entre o que é atribuído à mulher e ao homem. Os papéis de gênero nos são ensinados primeiro na família e pouco atinamos sobre sua reprodução social. Parece que “nascemos” assim.

Graças a estudos dentro desse conceito, leis para proteção e emancipação da mulher têm sido aprovadas.

O agressor da juíza responde a processo criminal por suspeita de ter agredido sua mulher. Lembrei-me de relato feito pela ministra do STF Carmem Lúcia, um baluarte no combate à violência doméstica, que ilustra bem a questão de gênero. “Um agressor se coloca absolutamente contrário à violência contra a mulher e garante que nunca tinha cometido esse tipo de agressão. O juiz achou que se tratasse de um engano, até que citou o nome da agredida. O homem respondeu: ‘Ah, doutor, a fulana é a minha mulher’.”

Em 2009, fiz uma série de entrevistas com mulheres vítimas de violência e uma delas calou fundo, pois o que ocorreu com ela foi dentro de uma Delegacia da Mulher.

A vítima havia sido barbaramente surrada por um marido que chegou tarde e bêbado em casa e a tirou da cama debaixo de tapas porque tinha só um punhado de arroz na panela. A escrivã, que ouvia o relato, se apressou a comentar: “Custava ter levantado, fazer a comida, para não ter de apanhar?”. Essa pessoa estava lá para acolher!

De lá para cá, muita coisa mudou. Leis, inspiradas pela questão de gênero, foram feitas: a Lei Maria da Penha, 2006, a do Feminicídio, 2015, e este ano foi aprovado o Observatório da Mulher contra a Violência, no Senado, que agregará todos os dados disponíveis no país sobre a questão.

A fala da jovem juíza é uma inspiração para todas nós: “agora eu me sinto mais motivada para lutar pelos direitos das mulheres porque antes eu ouvia os relatos das histórias e de repente eu estava naquela história… Tento deixar meu coração leve para trabalhar, voltei com muita felicidade.”

O caminho ainda é longo, melhor caminhar com amor.

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