As mulheres negras têm algumas preocupações que nem passam pela cabeça de quem é branco. Entre elas, ser seguida dentro de uma loja ou ter a bolsa revistada sem razão, alguns dos maiores medos de quem sente estar sempre sob o olhar intenso do segurança de um shopping ou do policial na rua. Estes tipos de abordagem são fruto do racismo institucional, preconceito que pode ser invisível para muitos, mas é latente para suas vítimas.
(Universa, 17/10/2018 – acesse no site de origem)
É importante frisar que uma pessoa negra não deveria ter que mudar suas atitudes para evitar maus tratos nos estabelecimentos – o erro parte de quem tem a reação preconceituosa.
De acordo com José Vicente, advogado e reitor da Faculdade Zumbi de Palmares, em São Paulo (SP), o racismo institucional é quando uma pessoa toma uma “medida protetiva involuntária que parte do pressuposto de uma crença ou de valor”. “Na sociedade, os negros são, historicamente, considerados cidadãos de segundo grau. Assim, o racismo institucional faz o sujeito acionar todos os mecanismos de defesa na aproximação de um negro. E ele se sente autorizado e com licença para abordá-la porque aquela pessoa representa uma ameaça, de acordo com a crença de qual estética é positiva [pessoas brancas] e negativa [pessoas negras]”, explica o especialista.
Ou seja, quando uma mulher é vista como uma potencial criminosa quando entra em uma loja por causa do seu tom de pele, aquele estabelecimento fez um juízo de valor e falhou em tratá-la igual às clientes de outras etnias.
Para fugir de situações perigosas ou embaraçosas, oito mulheres contaram à Universa como fazem para evitar olhares suspeitos ou abordagens inadequadas. Veja:
‘Nunca uso chinelo. Estou sempre bem arrumada’
Nubiha Modesto, 31 anos, publicitária, de São Paulo
“É estranhamente natural a forma como procuro deixar minha bolsa sempre à vista quando estou dentro de uma loja, principalmente se é uma loja de departamentos. Naturalizei o fato de desconfiarem da minha presença de uma forma tão esquisita, que minha preocupação é sempre estar com as mãos à vista. Colocar mão na bolsa ou bolso é evitado a todo custo, por isso mesmo já entro na loja com celular em mãos – para não ter que mexer na bolsa caso ele toque. Pensando em vestimenta, em hipótese alguma eu saio de chinelo ou moletom ou qualquer traje mais despojado se sei que entrarei em um shopping.
Segurança de loja adora me seguir. Não importa como eu esteja vestida, o quanto eu tenha consumido ou se vou ali todos os dias. Uma vez, estava numa loja grande de maquiagem bem famosa no [shopping] JK Iguatemi, o segurança não viu as meninas brancas furtando produtos porque tava preocupado em andar atrás de mim.”
‘Visto roupas básicas para não chamar atenção desnecessária’
Kelly Cristina Nascimento, 31 anos, economista, de São Paulo (SP)
“Sendo uma mulher preta, sempre tenho o cuidado de sair de casa arrumada, cabelo penteado. A roupa tem que ser ok, e eu nunca posso estar de chinelo. Nem à padaria vou de chinelo ou com roupa de ficar em casa. Tudo para não ser confundida com ‘marginal’. Outro ponto é que normalmente me visto com peças mais básicas e clássicas porque sinto que ser estilosa atrai a atenção desnecessária.
Em lojas, não fico com peças de roupa na mão por muito tempo. Se gosto de algo, já uso uma sacola da loja se for uma fast fashion ou peço para a vendedora segurar. E sempre abordo um vendedor antes de ser abordada.”
‘Não abro bolsa dentro de loja’
Aparecida de Jesus Santos, 28 anos, catalogadora, de Guarulhos (SP)
“Eu não abro bolsa dentro de loja em hipótese nenhuma. E se eu abro, o faço perto do segurança para que ele veja que
eu não estou pegando nada. Quando saio de lojas com detectores eu sempre saio com a mão muito visível, para que vejam que não estou saindo com nada, porque eu tenho pavor de ser abordada e questionada. Isto é um trauma porque aconteceu algo muito complicado há um tempo atrás.
Em 2013, levei meus quatro irmãos mais novos ao Extra Hipermercado do Shopping Internacional de Guarulhos para eles comprarem um brinquedo para o Dia das Crianças. Ficamos um tempo rodando, rodando, mas, no fim, eles não quiseram comprar nada. Aí estávamos saindo e a segurança abordou a gente, pediu para que mostrássemos onde a gente tinha colocado cada um dos brinquedos que havíamos mexido. Foi péssimo”
‘Deixo itens que vou levar bem visíveis’
Luana Machel Joaquim Silva, 31 anos, advogada, do Rio de Janeiro (RJ)
“Mantenho os itens que vou levar bem visíveis para não acharem que vou escondê-los no corpo ou na bolsa, por exemplo. Às vezes, evito entrar em certas lojas se sei que não vou levar nenhum produto, apenas para não passar pelo constrangimento que é ser observada a todo tempo por seguranças, principalmente quando estou num shopping muito elitizado. Tem loja que amo e já evito apenas pelo tratamento que sei que dão a mulher preta.”
‘Nunca ando com capuz e nem com as mãos no bolso’
Jagannatha Laís, 29 anos, auxiliar de veterinária, de São Paulo (SP)
“Não ando com capuz e nem com as mãos nos bolsos, mesmo que esteja congelando. Evito correr atrás do ônibus mesmo que eu esteja atrasada. Não tenho essa de entrar em loja para dar uma olhada, pois sempre que entro sou observada do início ao fim. Só entro se eu tiver certeza que vou levar algo.”
‘Quase nunca entro ‘só pra dar uma olhadinha”
Gabriela Aparecida Almeida Barbosa, 31 anos, analista comercial, de São Paulo (SP)
“Quando entro em uma loja, procuro ir onde está o que vou comprar. Quase nunca entro ‘só para dar uma olhadinha’, porque parece que os seguranças seguem com os olhos, achando que vou pegar alguma coisa. Sempre tento deixar minhas mãos à mostra, mesmo quando o lugar só tem vigilância por câmera, para que ninguém pense que estou pegando algo.
Quando eu era criança, eu e minha irmã, que também é negra, fomos com uma amiga branca a um mercadinho bairro. A nossa amiga branca quis pegar um chocolate escondido, mas eu e minha irmã fomos contra. Enquanto tentávamos convencê-la a não levá-lo, o dono percebeu o que estava acontecendo e, automaticamente, colocou a culpa em mim e na minha irmã. E ainda falou para a menina branca para ela não andar com a gente porque estávamos a levando para o mau caminho.”
‘Em uma loja, fico no meio do corredor, para que vejam o que estou fazendo’
Aline Jansen Gomes da Silva, 37 anos, servidora pública, do Rio de Janeiro (RJ)
Em loja, em contrapartida, não importa o quanto eu esteja maquiada ou arrumada, sempre sou observada, já fui seguida. Principalmente em grandes drogarias. Eu gostava muito de ir em farmácias, mas agora eu estou perdendo esse hábito. Mas, quando entro, mantenho uma distância da gôndola. Fico no meio do corredor, para que vejam o que estou fazendo. Não fico tocando nos produtos… É algo horroroso, mas já vai ficando automático.”
‘Evito trocar olhares’
Gabriela Ramos Bispo da Silva, 28 anos, produtora de conteúdo, de Rio de Janeiro (RJ)
“Nunca passei por uma opressão de policial, mas tem coisas que eu evito, como estar na rua sozinha. Tento não me dirigir, não falar, não olhar nos olhos de policiais, por exemplo. Evitar qualquer outro tipo de contato que eles possam achar ameaçador ou que eles possam achar que tenho algo.
Em lojas, desde que assumi o cabelo natural, eu sou mais observada, seguida pelo segurança. Nestes casos, eu não faço nada, porque eu existo, eu não sou ladra. Eu só existo. Nunca cometi nenhum crime, então eu continuo vivendo a minha vida. Às vezes pergunto se a vendedora ou o segurança precisam de mim para alguma coisa. Em farmácia, onde as coisas são pequenas, eu pego o produto que preciso e fico andando com ele no alto, para evitar que as pessoas fiquem andando atrás de mim.”
Natália Eiras