(Folha de S. Paulo, 19/02/2015) Em 2003, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, 37, promovia seu primeiro livro, o romance “Hibisco Roxo”, em que o protagonista é um homem que espanca sua mulher.
“Estão dizendo que seu livro é feminista”, teria lhe dito um jornalista nigeriano. Ele então a aconselhou a “nunca se chamar de feminista, porque elas são mulheres infelizes que não conseguem arrumar maridos”.
Adichie não só não seguiu o conselho do homem, como também relatou o ocorrido em 2013 em um discurso intitulado “Sejamos Todos Feministas”, publicado agora pela Companhia das Letras.
Dos Estados Unidos, onde passa parte de seu tempo –ela mora em Lagos (Nigéria), a autora de “Americanah”, romance ganhador do National Book Critics Circle Award, falou com a Folha sobre racismo, as eleições presidenciais em seu país e a ascensão do grupo fundamentalista islâmico Boko Haram, responsável por sequestros, estupros e assassinatos na Nigéria.
Folha – Por que você decidiu discursar sobre feminismo?
Chimamanda Ngozi Adichie – Porque sempre foi importante para mim e acho que é algo sobre o qual as pessoas deveriam falar.
Boa parte do mundo ocidental acha que está tudo bem, que se as mulheres podem votar, então está tudo bem, mas eu acredito que gênero seja um problema no mundo inteiro e que nós deveríamos discuti-lo mais.
Que papel os homens podem exercer no feminismo?
A primeira coisa é reconhecer que há um problema. Eles não deveriam achar que merecem parabéns quando fazem atividades que são consideradas femininas, como ser celebrados só porque sabem trocar a fralda do seu filho. Isso não é ser feminista.
Há um movimento feminista na Nigéria?
Acredito que sempre houve um, mas não tinha esse nome. As nigerianas são muito fortes, e há uma ética feminista muito mais forte na classe trabalhadora e sem educação formal do que entre as mulheres escolarizadas.
A diferença entre o feminismo na Nigéria e nos EUA é que se uma americana, escolarizada e de classe média, fica incomodada com algo no trabalho, o mais provável é que ela fique quieta e vá chorar depois. No Ocidente, a ideia de uma mulher que fala o que pensa é assustadora.
Na Nigéria, a mulher não ficaria quieta. Mas quando vai para casa, espera-se que seja submissa ao marido.
Quais as suas perspectivas sobre a eleição na Nigéria [adiadas por seis semanas pelo governo de Goodluck Jonathan, candidato à reeleição, e previstas para 28/3]?
Não estou animada com nenhum dos candidatos, mas também não acho que a Nigéria vá se despedaçar nem nada assim. Acho que havia outras pessoas que poderiam ser muito inspiradoras, mas elas não conseguiram chegar lá.
Por que você acha que o Boko Haram ficou tão poderoso?
Eu diria que a maioria dos nigerianos está tão confusa quanto o resto do mundo.
Para muitos nigerianos, o Boko Haram é muito mais um problema político do que religioso. É fundamentalismo islâmico, mas eles começaram sendo utilizados por políticos, que os financiavam para usar como força nas eleições. O que aconteceu é que o Boko Haram ficou grande demais e saiu do controle, se aproximou de outros grupos fundamentalistas.
Em “Americanah”, você diz que as pessoas são tratadas diferente quando são “visivelmente negras, não quando podem ser confundidas com brasileiros”. Como assim?
[risos] A personagem estava tirando sarro da percepção americana de como o brasileiro é. Nos EUA, “brasileiro” é alguém racialmente ambíguo, que não é branco, mas também não é negro.
Eu acho que o Brasil está em negação sobre a questão racial. Amigos brasileiros comentam que vocês não falam de raça e isso me surpreendeu. [Quando veio ao Brasil, em 2008] não consegui deixar de notar como raça e classe estão conectadas no Brasil. Eu ia a restaurantes bons e não via uma única pessoa negra.
Há um personagem no livro que vai ao Brasil e as pessoas o olham de forma estranha, porque ele tem a pele bem escura e está na fila da primeira classe.
Angela Boldrino
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