O grito de liberdade ecoa permanentemente. As palavras de indignação e resistência persistem. Mas o racismo, um dos instrumentos estruturais do capitalismo continua matando, marginalizando, invisibilizando e demonizando a cultura, os corpos e a religião do povo negro.
(Sul 21, 20/05/2018 – acesse no site de origem)
Segundo o Atlas da Violência 2017, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mulheres, jovens e negros de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no país. A população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios. O documento revela que a cada 100 pessoas assassinadas, em 2017, 71 eram negras. Em sua grande maioria mulheres e jovens. Só em 2015, cerca de 385 mulheres foram assassinadas por dia.
As regiões de Roraima, Goiás e Mato Grosso lideram a lista de estados com maiores taxas de homicídios. No mesmo período, no Maranhão houve um aumento de 124% na taxa de feminicídios e, mais uma vez, as mulheres negras são as principais vítimas. É importante destacar que, segundo o Atlas, em inúmeros casos notificados, as mulheres são vítimas de outras violências de gênero, como a patrimonial, psicológica, física, sexual, além do homicídio.
Nesse mesmo contexto, a juventude segue sendo vítima. Mais de 318 mil jovens foram assassinados no Brasil entre 2005 e 2015. Apenas em 2015 foram 31.264 homicídios de pessoas com idade entre 15 e 29 anos. No geral, cerca de 92% dos homicídios acometem essa parcela da população.
Em Alagoas e Sergipe a taxa de violência com homens jovens atingiu, respectivamente, 233 e 230,4 mortes por 100 mil homens jovens em 2015. De acordo com o Atlas, os negros possuem 23,5% de chances de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças.
Regina Lúcia, militante do Movimento Negro Unificado (MNU), afirma que esse processo genocida da população negra é histórico. “O projeto genocida da população negra está em vigor desde o dia 14 de maio de 1888 […] É um projeto da elite branca sobre a população negra. E ele está entranhado na saúde, na educação, na cultura, na moradia, no acesso a terra. Não podemos esquecer do genocídio da bala, perpetrado pela polícia, pelos grupos de extermínio, pelo narcotráfico e etc”, explica.
Por outro lado, a militante destaca que a população negra tem um projeto de resistência, numa perspectiva individual e coletiva, através dos movimentos negros e das sociedades culturais. “A gente age em todas as frentes, visualizando a resistência individual, que é natural, com a coletiva, porque para existir nós precisamos resistir. Temos ações na área da educação; lutamos pela implementação do Plano nacional de Atenção a Saúde da População Negra; lutamos por mais acesso a cultura, a moradia; lutamos também pela demarcação das terras quilombolas e indígenas; e estamos juntos em outras lutas universais, como a Reforma Agrária”, pontua Lúcia.
Violência no campo
Não distante dessa realidade, no campo brasileiro a violência tem crescido drasticamente e tem deixado as comunidades, movimentos e organizações populares em alerta. De acordo com dados parciais da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2017, foram 65 pessoas assassinadas em conflitos no campo.
A CPT enfatiza que muitas dessas mortes tiveram requintes de crueldade, o que confere ao Brasil o título de país mais violento às populações camponesas no mundo. Entre os diversos massacres ocorridos nesse período, como o de Pau D’Arco, no Pará, que completa um ano nesta próxima quarta-feira (24), o massacre de Lençóis, na Bahia, ocorrido em julho, ganha destaque por apresentar mais uma face do racismo institucionalizado ao negar o direito à terra aos trabalhadores quilombolas. Na ocasião, ocorreram oito assassinatos na comunidade.
Lúcia acredita que o projeto genocida tem ganhado novas proporções após o golpe de 2016. “É um golpe que nos preocupa muito e que vem numa escalada frenética, retirando direitos […]. Pois quem sofre com o golpe mais firmemente é a população negra”. Para ela é importante que os movimentos negros denunciem. “A população precisa perceber que esse golpe está intimamente ligado a retirada de direitos da população negra e que impõe o genocídio de forma drástica e aguda. Precisamos avançar em novas formas práticas de resistência”, conclui.
Diante desse atual cenário de violência crescente no Brasil e com o avanço do conservadorismo e do fascismo, o MST destaca em sua “Carta ao Povo Brasileiro” a necessidade de construir lutas diárias contra todo tipo de violência e de permanecer em vigília contra as impunidades. Nesse sentido, usa como exemplo o assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes como motivos a mais para seguir em luta permanente.
Wesley Lima