Com mãe evangélica e avó mãe de santo, jovem que levou pedrada ganha apoio de deputados

18 de junho, 2015

(O Globo, 18/06/2015) Comissão de Direitos Humanos quer identificar os autores do crime

As agressões a Kayllane Campos, menina de 11 anos que levou uma pedrada no domingo após sair de uma festa de candomblé, ganharam um novo capítulo na manhã de ontem. A caminho do Instituto Médico Legal (IML) para prestar exame de corpo de delito, a garota ouviu novos insultos. Os gritos de “vai queimar no inferno” e “macumbeira” vinham de um homem e chocou a jovem, que tem em casa experiências bem diferentes das intolerâncias que sofreu na rua.

Neta de espírita e filha de uma evangélica, Kayllane vê em sua família que a base de todas as religiões é o respeito. Karina Coelho, mãe da menina, afirma que os agressores erroneamente se escondem atrás da religião:

— O sentimento que tenho é de indignação. Ela é uma criança. Quem tacou pedra são vândalos que se escondem atrás da palavra de Cristo. Não é isso que a gente aprende na igreja.

O barracão onde Kátia Marinho, avó de Kayllane e mãe de Karina, atua como mãe de santo fica embaixo da casa da filha, que já foi frequentadora do local. Convertida a uma igreja evangélica há dois anos, Karina não vê conflito entre a sua crença e a do resto de sua família.

— Entrei na igreja porque passei a me sentir bem lá, mas minha mãe é do candomblé, minhas filhas são do candomblé. Eu as respeito e elas me respeitam — afirma Karina, que se mantém reservada em suas declarações e não informa a que igreja pertence. — Vou falar com meu pastor. Não quero expor nada sem conversar com ele. Mas estou sempre ao lado da minha filha.

Kátia concorda com a filha e tem receio que o episódio ganhe proporções prejudiciais para ambas as crenças:

— Estão transformando isso em uma ofensa direta às igrejas evangélicas. Trata-se de um grupo de fanáticos, que não pode ser confundido com o todo. Fiquei muito feliz com toda a campanha de solidariedade que estão fazendo, mas os insultos de hoje (ontem) me deixaram receosa. É uma criança, que se tornou pública e alvo.

Apesar do receio com os novos acontecimentos, a mãe de santo afirma que não vai desistir. Uma foto sua divulgada em redes sociais, em que afirma ter orgulho de usar o branco, já ganhou mais de dez mil compartilhamentos:

— Eu não vou desistir. Há muito preconceito a ser debatido. É necessário e importante que todos tenham direito de expressarem suas religiões. O que aconteceu com minha neta foi uma violência lamentável.

Kayllane tinha desistido de usar o branco em público após a pedrada. O medo a fez declarar que continuaria frequentando as sessões de candomblé, mas que não usaria mais as vestimentas de sua fé na rua. Após conversas com um psicólogo, a garota resolveu que voltaria a usar a indumentária. No caminho para o IML, a avó conta que a jovem recebeu apoio de desconhecidos antes de sofrer os novos insultos.

— Agora, ela está apavorada. Vamos precisar conversar novamente, com mais calma, e lhe dar mais tempo — diz Kátia.

Após o exame de corpo de delito, a família foi até a Assembleia Legislativa, onde a Comissão de Direitos Humanos fez uma sessão sobre o caso. Entre as deliberações, ficou resolvido que os deputados acompanharão as investigações e que as lideranças evangélicas da Casa assinarão uma nota de repúdio à violência contra a menina.

‘AGORA TEMOS QUE IDENTIFICAR OS AUTORES’

A sessão ocorreu um dia após o babalaô Ivanir dos Santos, representante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, criticar a falta de posicionamento das lideranças evangélicas:

— Foi muito importante ver que todos os deputados evangélicos se prontificaram a assinar a nota de repúdio a esse crime. Agora, temos que identificar os autores. Essas pessoas não cometem esse tipo de atrocidade do nada.

Para Ivanir, é necessário identificar as igrejas que esses jovens frequentam e ver se as lideranças produzem discursos de ódio.

— Eles devem ter sido incentivados a ter esse tipo de visão. É um ato muito violento e gratuito. É um ensinamento do ódio — afirma Ivanir.

A rixa entre algumas denominações das igrejas evangélicas e o espiritismo e as religiões afro é vista como natural no âmbito religioso pelo pastor Omar Silva da Costa, presidente do Conselho Nacional de Pastores:

— A verdade está na Bíblia e ela condena quem evoca os espíritos dos mortos. Existem bilhões de anjos caídos do céu, que alguns denominam como demônios ou capetas, que vieram para atormentar a sociedade. A igreja cristã é a sucessora dos discípulos de Cristo e, tal como ele, também vai exorcizar aqueles que, como aponta o livro do Apocalipse, evocam espíritos de mortos, os anjos caídos, os demônios.

Na concepção do pastor, o erro no episódio envolvendo Kayllane está no uso da violência

— É necessário pedir desculpas à família e à menina. Eram pessoas que estavam no afã de fazer o bem, mas faltou sabedoria cultural, estudo. A igreja cristã não está autorizada a usar a violência. Seus fiéis têm que orar por esses anjos caídos — afirma o pastor Omar.

Para Karina, evangélica e mãe da menina que levou uma pedrada, não há justificativa para a intolerância religiosa:

— Eu condeno as pessoas que fizeram isso. Não há justificativa. Elas não representam a minha religião. Para representar, você tem que amar o próximo, e elas, ao tacarem uma pedra em uma criança, não fizeram isso.

Raphael Kapa

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