Como reduzir nossas desigualdades raciais?, por Claudio Ferraz

13 de junho, 2018

Uma política temporária de ação afirmativa pode mudar o comportamento de empresas e gerar efeitos permanentes.

(Nexo, 13/06/2018 – acesse no site de origem)

O Brasil aboliu a escravidão há 130 anos, mas as diferenças econômicas e sociais entre brancos e negros permanecem gritantes. Crianças negras morrem mais que brancas, alunos negros têm maior chance de estarem fora da escola e, quando estão na escola, seu desempenho em provas é significativamente pior. A chance de negros serem vítimas de homicídios é significativamente maior do que a de brancos, e mesmo se olharmos para brancos e negros graduados a diferença de renda ainda é grande. Essas diferenças são passadas através de gerações, não só pela transmissão intergeracional da pobreza, mas também pela persistência de preconceito e racismo.

As diferenças raciais geram grandes perdas sociais e econômicas. Chang-Tai Hsieh e coautores das universidades de Chicago e Stanford mostraram num estudo recente que, para os EUA, houve uma grande convergência entre as ocupações de brancos e negros. Enquanto em 1960, 94 % dos médicos eram brancos, hoje esse número está próximo dos 60 %. Algo similar aconteceu para as outras ocupações altamente qualificadas.

Assumindo que talento nato para uma ocupação está distribuído na população de maneira fixa ao longo do tempo, essas diferenças sugerem que negros não estavam se especializando e trabalhando em ocupações em que teriam vantagens comparativas. Eles mostram no trabalho que a má alocação de talento gera enormes perdas de produtividade para a economia. Há diversas meninas negras que teriam talento para serem brilhantes médicas e advogadas, mas que nunca conseguem chegar lá por barreiras impostas pela sociedade.

Os autores mostram que nos EUA as mudanças nas escolhas ocupacionais foram consequência, principalmente, de diferenças na acumulação de capital humano (educação) entre brancos e negros, e que mudanças na discriminação implícita no mercado de trabalho explicam somente uma pequena proporção das mudanças ocorridas.

No Brasil, apesar de os negros representarem 50 % da população (pretos  e pardos segundo o censo feito pelo IBGE em 2010), eles têm pouco acesso à diversas ocupações de prestígio. Políticas que busquem aumentar a igualdade de oportunidades entre brancos e negros podem ter efeitos significativos sobre a alocação de talentos do país, e consequentemente, gerar ganhos de produtividade e crescimento econômico significativos.

Mas como chegar lá? Os EUA adotaram durante muitos anos políticas de ação afirmativa no acesso à educação superior e mercado de trabalho. Essas políticas permitiram que mais negros ingressassem na universidades e fossem contratados por empresas. Mesmo políticas temporárias de cotas tiveram efeitos de longo-prazo conforme mostra o economista Conrad Miller.

Em seu trabalho intitulado “The Persistence Effects of Temporary Affirmative Action“, publicado no American Economic Journal, Miller estuda os impactos da Ordem Executiva 11246 que obrigava firmas com 50 ou mais trabalhadores, que tivessem contratos com o governo federal de pelo menos US$ 50 mil, a identificar e contratar minorias. Miller mostra que essa política aumentou significativamente a proporção de negros empregados pelas firmas. Cinco anos depois que um estabelecimento entra na regra por transacionar com o governo ele emprega significativamente mais negros.

Mas o achado mais surpreendente do estudo é que a proporção de negros empregados nessas firmas continua crescendo mesmo depois que a empresa deixa de transacionar com o governo, e consequentemente, já não tem obrigação de empregar trabalhadores negros. Ou seja, uma política temporária de ação afirmativa pode mudar o comportamento de empresas e gerar efeitos permanentes.

Há diversas formas de pensar nos efeitos de longo-prazo de políticas como essa. Uma é que gerentes e diretores de empresas aprendem sobre a habilidade de trabalhadores negros ao longo do tempo e reduzem a discriminação e preconceito na contratação. Pode também acontecer que uma política como essa dê acesso ao trabalho em empresas antes inalcançáveis e gera investimentos em capital humano e qualificação, e uma melhoria das aptidões de trabalhadores negros ao longo do tempo. Esses efeitos sobre aspirações, e consequentemente investimentos em capital humano, são talvez um dos maiores benefícios de uma política de cotas mesmo que ela seja temporária.

Finalmente, esse tipo de política, ao misturar pessoas de diferentes características pode reduzir o preconceito em relação à pessoas de outras cor/raças. Num contexto diferente, a economista Eliana La Ferrara e coautoras estudaram o término do apartheid na África do Sul e a política da Universidade de Cape Town que sorteou quem iria ficar com quem em seus quartos para residentes. La Ferrara e as coautoras mostram que alunos brancos, que foram aleatoriamente alocados para morar com alunos negros, diminuíram seu nível de preconceito.

Políticas de ação afirmativa são controversas, e muitas vezes podem também gerar resultados negativos não esperados. Mas o Brasil não pode continuar esperando que as diferenças raciais desapareçam sozinhas. Temos que pensar em políticas públicas que reduzam a enorme desigualdade existente na sociedade brasileira.

Claudio Ferraz é professor da Cátedra Itaú-Unibanco do Departamento de Economia da PUC-Rio e diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina. É formado em economia pela Universidade da Costa Rica, tem mestrado pela Universidade de Boston, doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley e foi professor visitante na Universidade Stanford e no MIT. Sua pesquisa inclui estudos sobre as causas e consequências da corrupção e a avaliação de impacto de políticas públicas. Ele escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

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