(G1 – 24/11/2015) Representatividade desses crimes cresce há três anos no Decradi, diz SSP. Denúncia de racismo em letra da bateria da USP está entre as investigações
Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP/SP) apontam que há três anos cresce a representatividade dos crimes raciais entre os inquéritos instaurados pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), órgão especializado nesse tipo de ocorrência no Estado.
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Nota do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos sobre incêndio no Ilê Axé OyáBagan (DF) (SPM, 29/11/2015)
Referência no candomblé, Mãe Meninazinha luta contra intolerância (Agência Brasil, 28/11/2015)
DF terá delegacia contra racismo e intolerância (Brasil 247, 28/11/2015)
Entre janeiro e outubro desse ano, 68% das investigações tratavam de racismo, um total de 75 casos. No ano passado, os inquéritos sobre o tema instaurados no mesmo período representavam 60,4% do total. Em 2013, por sua vez, o número de averiguações de intolerância de raça, cor e etnia eram 44,9% do total.
Apesar de estar localizada na capital paulista, a Decradi recebe denúncias de todo o estado e é a única que investiga crimes como racismo, homofobia, xenofobia e outros tipos de preconceito, como o religioso.
Para a pedagoga Silvia Helena Seixas, diretoria da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), os dados reforçam que a sociedade está cada vez mais intolerante aos comportamentos racistas. Mais do que isso, apontam um reconhecimento de direitos por parte da própria população negra.
“Elas estão tendo mais coragem de denunciar, mas, mais importante do que a denúncia, é saber que eu, enquanto cidadã, ser humano, negra, preciso ser respeitada. Você começa a entender que nós temos que ser diferentes, porque somos, mas não podemos ser desiguais”, afirma.
Repercussão
Um dos casos de maior repercussão é o que envolveu a jornalista da TV Globo Maria Júlia Coutinho, alvo de diversas mensagens racistas em uma rede social, em julho desse ano. No mesmo mês, um adolescente de 15 anos foi identificado pelo Decradi, por suspeita de ter postado comentários ofensivos.
“Ações como essa nos fortalecem porque parece que o racismo, que a discriminação racial, se confunde com a discriminação social. E fica muito claro, nesse caso, que o racismo supera a classe social”, diz a pedagoga.
Silvia relembra também as denúncias de racismo, discriminação e violência sexual em um hino da faculdade de medicina da USP em Ribeirão Preto (SP). O caso ganhou destaque em novembro do ano passado, após divulgação da letra, que tem expressões como “morena gostosa” e “preta imunda”.
“Como é que uma universidade pública permite um texto desses? Além de ser um crime, é um crime contra a humanidade, contra toda a raça negra, não só contra a mulher negra. Não há adulto negro no nosso país, que nunca tenha sofrido racismo”, afirma.
Na época, a USP enviou nota à imprensa explicando que o folheto entregue aos calouros, que contém o hino em questão, não se trata do material oficial impresso e distribuído pela Faculdade. A Universidade também alegou que não tinha conhecimento da letra, e que o hino não é utilizado pela bateria do curso nos eventos oficiais.
Injúria x racismo
O advogado Paulo Patrezze explica que embora sejam crimes raciais, a injúria e o racismo são diferentes perante à legislação brasileira. Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém, o outro atinge uma coletividade, a integralidade de uma raça. Além disso, o racismo é inafiançável e nunca prescreve.
“Apesar da dificuldade de definir quando ocorre um e quando ocorre outro, esse aspecto de ser subjetivo em relação a uma pessoa, ou coletivo, contra toda uma raça, é o que define esses dois crimes”, conclui.