(Tribuna da Bahia, 05/10/2015) Mais de 1.500 denúncias de racismo ou por injúria racial foram notificadas no Brasil nos últimos quatro anos
Mais de 1.500 denúncias de racismo ou por injúria racial foram notificadas no Brasil nos últimos quatro anos. Os dados são da Ouvidoria da Igualdade Racial, órgão da estrutura da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – Seppir/PR, cuja função principal é receber denúncias de racismo e de discriminação racial e encaminhá-las aos órgãos responsáveis nas esferas federal, estaduais e municipais. A Ouvidoria é também encarregada de receber observações, críticas ou sugestões para garantir a sintonia do trabalho da Seppir com os anseios da sociedade. Em 2014 ocorreram 448 casos – contra 219 registrados em 2011, primeiro ano de atuação da Secretaria.
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Em Salvador, de acordo com a Sepromi-Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial, 154 casos foram registrados no mesmo período. A capital baiana, de acordo com o Censo do IBGE de 2010, tem em sua conformação populacional, conforme assumido pelos próprios pesquisados, uma diversidade racial configurada por 1.289.929 pardos; 707.726 negros; 472.055 brancos; 7.326 indígenas e 32 mil amarelos (que não é raça, mas cor). Além dos inúmeros casos de injúria racial registrados durante o Carnaval, entre foliões, e dos que passaram a ocorrer em estádios, contra jogadores de futebol – ou seja, em ambientes de entretenimento e ludicidade – um último episódio de discriminação racial, em Salvador, aconteceu à semana passada em um shopping da cidade.
De acordo com o coordenador executivo de Promoção da Igualdade Racial da Sepromi, Sérgio São Bernardo, a “maior conscientização das pessoas é o principal fator do aumento das denúncias contra esse tipo de atitude”. Ele destacou a criação, há pouco mais de um ano, do Centro Nelson Mandela de Combate ao Racismo, unidade daquela secretaria, ressaltando que “em Salvador, a maioria dos casos de racismo está vinculada à intolerância religiosa, promovida por adeptos de religiões neo-pentecostais e geralmente voltada para as religiões de matriz africana”.
Conforme o coordenador, “além do racismo objetivo, há o subjetivo, promovido por discriminação racial contra a imagem do negro e o racismo científico que reforça imagens negativas com a reprodução social dessas imagens associadas a estereótipos discriminadores sobre o negro”.
A propósito do rigor da legislação nos casos de racismo – previsto do artigo 20 da Lei nº 7.716/89 e na Constituição Federal – disse ser um “crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão” e que ocorre quando as ofensas atingem toda uma raça, etnia, religião ou origem, e quando não há como determinar o número de vítimas ofendidas”. Ele exemplificou com casos “como os de não ser permitida a entrada de negros em determinado estabelecimento; deixar de vender algum produto só para os judeus ou não empregar indígenas numa empresa”.
Já o caso de injúria racial, previsto no Código Penal, é caracterizado por “qualquer tipo de ofensa discriminatória onde a vítima é uma pessoa ou grupo determinado de pessoas, sob atribuição negativa ou ofensa à honra, atingindo sua autoestima”. Portanto, os xingamentos referentes à raça ou cor constituem crime de “injúria qualificada” e não crime de “racismo”.
Para São Bernardo, contudo, “mais importante que punir é estimular a sociedade a adotar medidas ou campanhas educativas que enfatizem imagens positivas, notadamente sobre o negro brasileiro enquanto cidadão, trabalhador”. No caso de punições, defendeu que seja “adotada a prestação de serviço social junto a uma das muitas entidades de combate ao racismo”.
Rede de combate na Bahia é composta por 30 entidades
São Bernardo mostrou a existência de uma rede na atuação contra o racismo na Bahia, composta por 30 entidades, como universidades, secretarias de governo, organizações sociais e vinculadas ao Direito e à Justiça. Ele adiantou estar sendo elaborada uma plataforma para a unificação dos dados junto aos componentes da rede, principalmente junto à Secretaria da Segurança Pública.
O coordenador da Sepromi destacou, ainda, as “ações afirmativas” – políticas públicas feitas pelo governo ou pela iniciativa privada – no objetivo de corrigir desigualdades raciais presentes na sociedade, acumuladas ao longo de anos. Segundo ele, “os objetivos das ações afirmativas podem ser de três tipos: Para reverter a representação negativa dos negros; para promover igualdade de oportunidades; e para combater o preconceito e o racismo. Em suma, uma ação afirmativa busca oferecer igualdade de oportunidades a todos”, enfatizou.
O fenômeno criminoso e a capacidade de interpretação
As análises procedidas pela Seppir dão conta de que as principais dificuldades na apuração e no processamento dos crimes de racismo residem na cultura jurídica nacional e na baixa incorporação dos estudos sobre relações raciais nos currículos das universidades brasileiras. Apesar de o crime de racismo ter sido tipificado há vários anos, ainda é pequena a capacidade de interpretação do fenômeno do racismo no país, inclusive entre os profissionais que atuam neste campo. Dessa forma, os operadores do direito (policiais, delegados, promotores, advogados, defensores e juízes) demonstram dificuldades na identificação e atuação em casos de discriminação em que ocorrem episódios de racismo ou de injúria racial.
Muitas vezes, de acordo com a Ouvidoria da Secretaria, a leitura da lei e o conhecimento dos tipos penais não são suficientes para que o profissional aja. Não raramente, ele se vê confrontado com seus próprios valores e preconceitos (predominantes numa sociedade racista) que o impedem de atuar tão somente conforme a técnica profissional.
O principal desafio, segundo a Ouvidoria do órgão, é formar os profissionais dentro de uma chave antirracista para que ele possa não só conhecer como também manejar com competência os instrumentos disponíveis para combater os casos de discriminação racial.
Albenísio Fonseca
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