‘Esporte me fez superar preconceito racial e de gênero’, diz Janeth Arcain em entrevista ao PNUD

25 de agosto, 2016

Ex-jogadora de basquete competiu em quatro Olimpíadas, ganhando medalhas em duas delas. Em 2016, a ex-atleta também participou do maior evento esportivo do mundo, mas fora das quadras, como prefeita da Vila Olímpica. Janeth Arcain desenvolve projetos para levar esporte e inclusão social a jovens de baixa renda.

(ONU Brasil, 25/08/2016 – acesse no site de origem)

Janeth Arcain já participou de quatro Olimpíadas como jogadora da seleção brasileira de basquete. Em duas delas, trouxe medalhas para o Brasil. Em 2008, em Pequim, ela participou novamente do maior evento esportivo do mundo, mas desta vez como representante da candidatura do Rio de Janeiro ao posto de sede dos Jogos Olímpicos. Oito anos depois, ela se tornaria prefeita da Vila Olímpica da Rio 2016.

Em entrevista exclusiva ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Janeth conta como o esporte transformou sua vida e explica por que decidiu criar o Instituto Janeth Arcain, uma das 81 instituições que formam a Rede Esporte pela Mudança Social (REMS), fundada com apoio da agência da ONU.

Qual mudança o esporte causou na sua vida?

Várias. É claro que, quando a gente é muito jovem, a gente não consegue mensurar toda a grandeza do que o esporte passa, mas hoje, na posição que eu estou, eu diria que o esporte realmente foi uma ferramenta transformadora para que eu pudesse me desenvolver muito mais como ser humano, muito mais como pessoa, e o aprendizado como atleta, a convivência em grupo, o respeito ao próximo, a superação, a dedicação, o ganhar e o perder, enfim, esses valores que realmente agregaram muito na minha carreira, na minha vida.

Além disso, por eu ter jogado fora do país, teve também a questão cultural. Isso me fez valorizar cada vez mais a nossa cultura e a cultura também dos outros países onde eu joguei, que foram os Estados Unidos e a Espanha.

Você acredita que o esporte pode ser um fator de inclusão social?

Sim, ele é, com certeza, ele é! Eu tive vários momentos em que eu passei por essa inclusão, até mesmo na escola, na educação física. Eu participei também de alguns clubes antes de ser federada, até minha professora de educação física me levar pra Catanduva, onde eu fui realmente federada. Então, por vir de uma família muito simples, por ser uma mulher, por ser negra, era muito mais preconceito. O esporte me fez superar todas essas dificuldades.

Você acha que as questões de gênero e de raça ainda são uma barreira no esporte?

Sim, com certeza. É claro que numa grandiosidade menor do que era há 30 anos, mas ainda existe uma barreira. Agora, eu vejo que, a cada ano, a mulher principalmente, o gênero feminino está ultrapassando essas barreiras, e isso é algo motivador, é motivador porque a gente vê que essa nova geração quer ser ouvida, ela precisa estar se expressando, ela precisa realmente se mostrar, mostrar sua cara. E eu vejo que isso a cada ano vem acontecendo.

E como surgiu a ideia de criar o Instituto e levar o esporte para pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social?

A motivação veio justamente porque eu jogava nos Estados Unidos. Lá, eu percebi que eles usavam o esporte de alto rendimento como algo muito atrativo para as crianças de baixa renda. Então, isso me fez relembrar muito toda minha carreira. Eu participava de várias atividades quando nós íamos lá em locais muito simples, locais do pessoal de baixa renda mesmo, e a gente fazia atividades com essas crianças e depois elas tinham a oportunidade de assistir a alguns jogos nossos.

Isso me fez pensar com a Karine Batista, que hoje é diretora nossa aqui do instituto, para realmente desenvolver um projeto no qual eu pudesse retornar essa oportunidade que eu tive fora do país para essas crianças do nosso país. Isso foi em fevereiro de 2002. Então, a gente resolve montar o instituto, que é onde eu poderia dar essa oportunidade para esses jovens — de um dia, quem sabe, sonhar como eu sonhei e chegar ao patamar em que eu cheguei.

Esse é um dos motivos maiores de a gente montar esse instituto e que hoje, depois de mais de 14 anos, a gente colhe frutos maravilhosos, não pensando só em atleta, mas também nos valores que o esporte proporcionou e que o instituto está proporcionando para todas as crianças. Hoje, nós temos uma metodologia própria. Então, isso fez com que eu pudesse realmente passar para esses jovens todos os meus valores que eu aprendi e que, hoje, a gente vê que realmente muitos deles estão levando para a vida.

Essa metodologia que vocês usam engloba valores como o esporte sendo um fator de inclusão e de desenvolvimento social também?

Sim, sim, dentro da nossa metodologia, nós temos duas vertentes: o ensino do esporte e o ensino pelo esporte. O ensino do esporte é onde a gente vivencia e passa para as crianças todas as situações da modalidade, falando das suas histórias, das regras, dos fundamentos; e o ensino pelo esporte é onde a gente realmente utiliza ferramentas e contribui na formação de indivíduos mais éticos, cooperativos, conscientes. Então, é isso que a gente procura passar para esses jovens hoje.

E quando um desses jovens que está começando a treinar basquete chega para você e pergunta o que ele deve fazer para virar um grande atleta, qual conselho você dá?

O que eles me falam bastante é: “Janeth, eu quero ser como você quando eu crescer”. Então, é claro que a gente sabe que tudo isso vai muito da consciência dos pais que passam para as crianças esses valores. Eles sabem também que eu cultivei esses valores na minha carreira e, por isso, vão aprender isso no instituto.

O que eu sempre falo para eles é o seguinte: “Olha, acredita nos seus sonhos, se dedica, continua estudando, treina também bastante que um dia você vai chegar lá, a oportunidade vai bater a sua porta, e pensa no que você vai fazer, se você vai realmente seguir a carreira de um atleta de alto rendimento, ou se você vai estar inserido no mercado de trabalho de qualquer carreira”.

Nos Jogos Olímpicos Rio 2016, você foi a prefeita da Vila Olímpica. Qual é a diferença de participar dos Jogos Olímpicos como atleta e como parte da organização?

Para mim, é claro que competir é algo mágico, diferenciado, porque você tem a oportunidade de tentar conquistar uma medalha. Mas, de outra forma, agora fora das quadras e como prefeita da Vila Olímpica, eu me senti realmente representando todo o povo brasileiro e todos os atletas que lá estiveram presentes. Eu fui realmente a anfitriã abraçando todos esses atletas, mais de 10 mil que estavam na vila, e dando a receptividade de boas-vindas, desejando felicidade forte durante os jogos.

Você acredita que esses jogos deixaram um legado social para o Brasil?

Eu me emocionei muito. Na hora que começou a abertura, que começou a contagem, eu chorei de tanta emoção, porque eu já participei de quatro Jogos Olímpicos como atleta, o quinto, em Pequim, eu fui como embaixadora da Rio 2016. Agora, no Rio, eu vejo que o nosso povo era merecedor desse momento, dessa alegria, dessa satisfação, então isso me fez emocionar porque eu jamais imaginaria que os Jogos poderiam vir aqui para o Brasil, e o primeiro da América do Sul.

Então, quem vivencia esse momento, essa realidade, essa dedicação, esse afinco que o atleta tem, sabe que esse momento foi um momento único. Quem presenciou, nosso povo brasileiro que esteve assistindo, pode se sentir lisonjeado por tudo o que aconteceu porque nós não deixamos a desejar nada a ninguém, e foram Jogos Olímpicos à altura dos que eu participei em outros países.

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