(Folha de S. Paulo, 27/11/2015) A resposta curta e grossa: claro que sim. É só comparar a proporção de negros e pardos na nossa população —mais de 50% — com o que se vê em qualquer programa, de qualquer gênero. Um desavisado que assistisse aos nossos canais poderia achar que negros e pardos são tão raros no Brasil quanto os paquistaneses.
A resposta complexa: sim, mas a situação está melhorando. Negros e pardos estão mais presentes em inúmeros programas, de todos os gêneros. A Globo conta com pelo menos três estrelas negras de primeira grandeza em seu elenco: Lázaro Ramos, Taís Araújo e Camila Pitanga. É pouco, óbvio, mas até os anos 1990 esse número não passava de zero.
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Nos telejornais da mesma emissora, aproveitando a trilha aberta por Glória Maria, brilham Maria Júlia Coutinho e alguns outros nomes. Majú, inclusive, está sendo preparada para voos maiores. Além do talento e da competência, ela também é paulistana: um segmento mais do que estratégico para a Globo.
Mas esses exemplos ainda são pontuais. Apesar de avanços como a série “Mister Brau”, também da Globo, negros e pardos ainda são exceção na telinha. A mesma emissora comete deslizes surpreendentes, como na novela “I Love Paraisópolis” —onde os habitantes de uma das maiores favelas de São Paulo eram quase todos brancos.
É por isto que Solange Couto tem razão em reclamar da ausência de bons papéis na TV (a atriz se engajou na campanha “Senti na Pele”, lançada pelo jornalista Ernesto Xavier). Só discordo um pouco quando ela reclama de ter feito muitas escravas e empregadas. A grande Ruth de Souza, uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos, diz que nunca se incomodou em interpretar escravas, contanto que o papel fosse bom.
Solange acusa os diretores que não a escalaram para personagens melhores, e é evidente que eles têm culpa no cartório. Mas o debate em torno desse assunto não será honesto se não fizermos esta pergunta: nossa TV é racista porque quem a produz é racista, ou… Porque quem a assiste também é?
Mais uma vez, a resposta é complexa. Não dá para negar a existência do racismo entre o público. Estão aí os comentários deploráveis e anônimos, que volta e meia afloram das cloacas para as páginas de celebridades negras nas redes sociais. O Brasil, que desde a abolição da escravatura se gabou de ser um país igualitário, foi forçado pela internet a encarar seu próprio racismo, ainda que de maneira enviesada.
Felizmente que, mais uma vez, a situação está melhorando. Uma das causas dessa melhora é a ascensão econômica das classes mais baixas, ainda majoritariamente formada por negros e pardos. Esse público quer se ver na TV, e os canais precisam atendê-lo. Além disso, o racismo vem diminuindo nas classe mais altas, principalmente entre os jovens.
Só que ainda falta muito, mas muito mesmo, para chegarmos perto da TV americana, onde os negros —que, proporcionalmente à população, são em menor número do que por aqui —ocupam um lugar muito mais preponderante. E isto numa sociedade onde o racismo é muito mais escancarado que no Brasil…
Acesse o PDF: Existe mesmo racismo na televisão brasileira?, por Tony Goes (Folha de S. Paulo, 27/11/2015)