(Diário de Santa Maria, 16/08/2014) Ela é a primeira filha de Jorge e Jonbelina, um casal de negros que vieram de famílias de origem humilde de Santa Maria. Foi com eles que a santa-mariense Giane Vargas Escobar, 46 anos, viu e aprendeu histórias de superação da comunidade negra. Uma das precursoras da recuperação do Museu Treze de Maio, em Santa Maria, Giane tem um histórico de lutas em favor da população negra, principalmente no que diz respeito à reconstrução da história do museu (que completou 111 anos neste ano).
O Treze de Maio faz parte da história da pesquisadora pelo menos desde 2001, quando Giane retornou a Santa Maria depois de morar por seis anos em Porto Alegre. Ela voltou à cidade para fazer pós-graduação em Museologia, e, a partir dali, começou um vínculo maior com o museu, à época, um clube decadente.
_ A comunidade negra interessada entrou no prédio, e o que encontramos foram paredes imensamente escuras. Não havia luz, e inúmeros documentos do clube estavam submersos na água, que tomou conta da edificação pelos anos de abandono e falta de manutenção. A sensação era de felicidade, e ao mesmo tempo, vontade imensa de chorar pela situação que ali presenciávamos _ relembra.
A partir de seu envolvimento, Giane assumiu a diretoria técnica do Treze de Maio, ainda em 2003. Hoje, a pesquisadora mora em Portugal, onde estuda doutorado em Estudos Culturais, pelas Universidades de Aveiro e Minho. Foi de lá que a recebeu uma das melhores notícias: sua premiação no International Museum Prize Winner 2014, prêmio do Museum Horizon, fundação internacional que tem o objetivo de promover a inovação nas estruturas museológicas.
O motivo: seu trabalho junto ao museu, e a “contribuição para o fortalecimento da identidade brasileira, destacando sua rica diversidade cultural e a memória das lutas sociais antes e desde a abolição”, como descrito na motivação do prêmio, em documento enviado a ela pelo Museum Horizon.
_ O Treze foi a instituição que me fortaleceu, que me legitimou como pesquisadora, alguém autorizada a ouvir histórias, cuidar e guardar memórias em vários suportes da informação. Essa instituição me instrumentalizou, deu-me a régua e o compasso para que eu pudesse escrever parte da história invisibilizada e a minha própria história _ diz.
Distância não é empecilho
Longe da cidade há três meses, mas sem deixar de acompanhar e dar suporte de longe, Giane defende que uma das principais lutas que o Museu Treze de Maio ainda tem pela frente, depois de ter conquistado legitimidade e credibilidade, é manter a sustentação do que já conseguiu até agora:
_ Para isso, é preciso chamar o poder público local para a responsabilidade que deveria ter com o patrimônio, auxiliando com afinco na manutenção e preservação.
A indicação do prêmio chegou como uma surpresa para a museóloga, que receberá a premiação no dia 25 de setembro, durante a Feira Internacional do Livro de Gotemburgo, na Suécia, cidade sede da fundação Museum Horizon.
_ Receber um reconhecimento externo e ser indicada por pessoas da Europa e do Brasil que trabalham na área de museologia social e comunitária há mais de 40 anos, e que jamais me falaram que haviam me indicado, foi uma grata surpresa. Sinto-me gratificada por termos escolhido o caminho certo. Só fiquei sabendo do prêmio no dia do resultado e fiquei simplesmente perplexa _ revela.
Para a pesquisadora, tudo é resultado dos esforços de lideranças negras que o museu construiu, e legitimou ao longo da trajetória pela preservação da memória.
_ Levo sempre comigo a bandeira do Treze, como agora na Suécia, um lugar que jamais pensei conhecer, e que destina o seu reconhecimento maior na área de museologia, voltando o seu olhar para a cidade de Santa Maria _ diz Giane.
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