Publicação afirma que questões de raça, classe e gênero influenciam profundamente as práticas de cuidado e acesso aos serviços de saúde
“As mães carregam uma culpa que a sociedade impõe a elas. Dificilmente uma mãe não se sente culpada, mas há sempre um olhar e um peso maiores quando falamos sobre as mulheres negras que são mães”, afirma a pesquisadora e escritora Luara Baia, uma das entrevistadas do ‘Guia novas perspectivas sobre infâncias negras’.
A publicação visa qualificar a cobertura jornalística com um olhar antirracista sobre as histórias e desafios que permeiam o dia a dia das mães e também dos direitos das crianças negras.
Luara também afirma que, no que diz respeito às maternidades negras no Brasil, outras camadas se sobrepõem. Dentre elas, a especialista alerta que é impossível falar sobre o tema sem levar em consideração o impacto da escravidão na subjetividade negra (de mães negras) e no pós escravidão.
“No Brasil, muitas mulheres foram histórica e compulsoriamente afastadas de seus filhos e impedidas de exercer a maternidade, especialmente as negras, indígenas e pobres. Essas práticas de discriminação e violência continuam a influenciar políticas públicas e ações estatais até hoje, refletindo uma herança cruel escravagista que culmina no controle sobre corpos femininos, infantis e vulnerabilizados.”
Para a pesquisadora, a falta de uma rede de apoio sólida, a presença de companheiros pouco envolvidos e a necessidade de conciliar trabalho mal remunerado com os cuidados dos filhos, agravam essa situação. Essa carga excessiva tem impactos negativos na saúde física e mental das mães, que relatam sentimentos de solidão e estresse. A percepção de que precisam ser fortes e autossuficientes contribui para o desgaste emocional, uma vez que evitam pedir ajuda mesmo em situações críticas.
O capítulo sobre maternidade destaca que questões de raça, classe e gênero influenciam profundamente as práticas de cuidado e acesso aos serviços de saúde.
O guia destaca outros desafios das mães no Brasil, como a maternidade solo, que chega a ser a realidade de pelo menos 11 milhões de mulheres segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Elas chefiam 15% dos lares brasileiros, sem ter redes de apoio. Além disso, 73,8% das famílias de baixa renda, cadastradas no CadÚnico (Cadastro único para programas sociais) são de mãe solo, sendo a maioria negra (74,3%) e entre 25 e 34 anos (47,9%).
O material cita ainda histórias de mulheres esterilizadas após decisões judiciais —como a de Janaína Aparecida Quirino. O guia afirma que a cirurgia teria sido realizada sem seu consentimento e sem a garantia de liberdade para decidir sobre sua vida, sob a justificativa de que ela não seria capaz de gerir o planejamento familiar devido ao seu vício em drogas.