(O Globo, 16/06/2015) Garota de 11 anos foi alvejada após sair de uma festa de candomblé na Vila da Penha
“Vai queimar no inferno”. Foi ao ouvir esta frase, pega de surpresa, que Kaylane Campos, de 11 anos, colocou a mão na cabeça e sentiu o sangue escorrendo por ela. A garota, que saía de uma festa de candomblé na Vila da Penha no domingo vestindo a indumentária de sua religião, junto com um grupo de amigos, levou uma pedrada de um grupo que, com Bíblias em punho, insultava os praticantes da religião afro-brasileira.
— Eles estavam com a Bíblia na mão e chamavam todo mundo de “diabo”, dizendo que Jesus estava voltando. A gente nunca tinha vivido algo assim. É muito preconceito gratuito. Ela está com medo de usar a roupa branca na rua. Diz que vai continuar praticando (o candomblé), mas está com medo — afirmou Kátia Marinho, avó da menina, que publicou uma foto na internet com o cartaz: “Eu visto o branco da paz. Sou do Candomblé. E você?”.
O caso será avaliado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR-RJ) por meio do babalaô Ivanir dos Santos, interlocutor do grupo:
— Essas agressões são cotidianas em todo o país. Nós vamos identificar os agressores para que eles possam responder criminalmente. E faremos na sexta-feira, na Vila da Penha, um ato de repúdio a esta violência contra uma criança.
Logo após o episódio, Ivanir recebeu solidariedade de representantes das religiões judaica e católica. Ele cobrou um posicionamento de líderes evangélicos.
— Essa pedra atingiu mais do que nós, membros do candomblé, ela atingiu o silêncio dos líderes evangélicos. É muito importante para a comunidade evangélica se posicionar neste momento, para que não fique parecendo que uma minoria representa o todo.
EVANGÉLICO PREGA SOLIDARIEDADE
Sérgio Mendes, representante da Associação Evangélica Beneficente, repudiou a intolerância e a violência praticada contra Kaylane.
— É lamentável o que aconteceu. Nós, evangélicos, pregamos pelo amor. O ensinamento de Cristo é amar ao próximo. É necessário ler, estudar e entender a religião para praticar esses ensinamentos. Quem fere uma criança não está seguindo os preceitos que Cristo ensinou.
Sérgio afirmou que desconhece os posicionamentos das diversas ramificações da comunidade evangélica, mas se disse solidário à menina e à comunidade de que ela faz parte.
— A crítica feita sobre a falta de posicionamento é válida, mas me coloco solidário e disposto a ir a atos. Não posso falar dos outros, a comunidade evangélica é grande e com linhas teóricas bastante divergentes, mas a maioria quer e prega o amor — afirma Sérgio.
O caso foi registrado na 38ª DP, em Irajá, que informou, em nota, que a menina e os parentes prestaram depoimentos. O episódio foi registrado como lesão corporal, baseado no artigo 20 da lei 7.716, que trata sobre a prática, a indução ou a incitação a preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
A delegacia afirmou que fará diligências para localizar imagens e testemunhas que possam auxiliar na identificação dos autores do crime.
Kátia, avó da menina, espera que a justiça seja feita.
— Não se pode viver com tanto preconceito. É muito assustador o que está acontecendo.
Raphael Kapa
Acesse o PDF: Líderes religiosos repudiam pedrada em menina candomblecista (O Globo, 16/06/2015)