Melhor do mundo, Serena Williams só não consegue derrotar o racismo

31 de agosto, 2015

(Esporte Final, 31/08/2015) Serena Williams tinha 6 anos de idade quando a alemã Steffi Graf venceu o US Open em 1988 e alcançou o raro feito de ganhar os quatro Grand Slams do tênis em uma mesma temporada. Nesta segunda-feira, a americana entrará na quadra Arthur Ashe às 20h para encarar o primeiro de sete degraus que precisará subir para ser campeã em Nova York e repetir o feito, inédito nestes 27 anos. Contra a russa Vitalia Diatchenko, 86ª colocada do ranking, a número 1 do mundo deve ter facilidade para se aproximar mais um pouco da taça. Diferentemente da dificuldade que encontra desde antes de 1995, quando se tornou profissional, com o racismo, ainda que muitas vezes velado.

Serena é certamente a melhor tenista deste século. Se levantar a taça dia 13 de setembro, não apenas igualará o feito de Graf em 1988, como também empatará em número de títulos de Grand Slam com a alemã, vencedora 22 vezes. À frente dela haverá apenas a australiana Margaret Court, com 24 conquistas. Além dos títulos de simples, a americana tem 13 conquistas de Grand Slam em duplas e quatro ouros olímpicos. Um total de 91 títulos na carreira, jogando sozinha ou em parceria. Como discordar se alguém disser que se trata da melhor tenista de todos os tempos? E foi o que disse recentemente o lendário John McEnroe, número 1 do mundo nos anos 1980.

Mas, como escreveu Claudia Rankine em reportagem do “The New York Times”, “Imagine se, apesar de tudo isso, houver muitas coisas ruins ditas sobre você, que você foi dada como um dos motivos para que replays de jogadas pudessem ser usados nas quadras. Imagine que você tenha de lidar com críticas sobre seu corpo que perpetuam noções racistas a respeito das mulheres negras, de que são hipermasculinas e pouco atraentes. Imagine que lhe peçam para comentar, durante uma entrevista antes de um torneio, por que o presidente da Federação Russa de Tênis, Shamil Tarpischev, descreveu você e sua irmã como ‘irmãos’ e que são ‘assustadores de se olhar’. Imagine”.

Serena é uma mulher forte, bem diferente do tipo boneca de porcelana de boa parte das tenistas do leste europeu, como a russa Maria Sharapova. Sua técnica apurada e potência combinadas formam uma atleta praticamente invencível, ainda que em uma idade (33 anos) em que quase todos os tenistas, homens e mulheres, já não entregam mais resultados expressivos em grande quantidade. Por causa de sua força, já foi confrontada com a ideia absurda e machista de jogar contra homens. Estranhamente, Sharapova, grande campeã, mas vencedora de apenas dois dos 20 confrontos contra Serena, é a atleta mais bem paga do mundo, segundo a revista “Forbes” – com US$ 29,7 milhões, aparece em 26º no geral. A americana é 47ª, com US$ 24,6 milhões.

Nos próximos dias, enquanto acontece o US Open, folheie jornais e revistas, acesse sites esportivos e conte o número de fotos de Serena e de suas rivais de pele branca (Sharapova, lesionada, não jogará a competição). Procure Serena e depois procure outras tenistas em notícias na imprensa não-esportiva. E tente explicar. Serena desconversa a respeito. “Há lugar para todas na mesa.”

Mas, apesar da frase política, Serena não aceita gentilmente e de cabeça baixa o racismo. Ela não tenta ser discreta ou passar despercebida. Serena vibra, pula, usa cores extravagantes, convive bem com seu cabelo, que não precisa de um ferro quente para ser bonito – embora o alise de vez em quando simplesmente porque é seu desejo.

Em março, voltou a disputar o Masters 1.000 de Indian Wells, na Califórnia, depois de uma ausência de 14 anos. Em 2001, ouviu ofensas vindas do público na final e decidiu, ao lado da irmã, Venus, boicotar um dos mais importantes torneios do circuito. Retornou com vitória difícil na estreia e choro em quadra. Mas teve de abandonar a competição antes de jogar a semifinal, por causa de uma lesão no joelho direito.

A volta de Serena a Indian Wells tem como principal articulador Patrick Mouratoglou, técnico da tenista desde 2012 e hoje também seu namorado. Ao anunciar o retorno, a líder do ranking contou que logo depois do título de 2001 passou “horas no vestiário chorando como se tivesse perdido o jogo mais importante da história”. “É difícil esquecer, lá eu perdi um pedaço de mim”, contou. Serena fez da volta ao torneio californiano um momento para auxiliar a Equal Justice Initiative, uma ONG que levanta fundos para dar assistência jurídica a réus que não conseguem ter um tratamento justo. Cerca de 12% da população americana é de negros, que representam, no entanto, 60% da população carcerária.

A parceria com Patrick Mouratoglou funcionou e o francês tem o firme propósito de fazer da tenista a maior vencedora de Grand Slams da história. E que receba um reconhecimento maior. “A marca de Steffi parecia imbatível. Se Serena conseguir, esta será provavelmente a prova de que é a melhor de todos os tempos”, disse.

A mais difícil vitória é contra o racismo, do escancarado ao tenho-até-amigos-que-são. E, se você quer ajudar, não faça mais dela um assunto que não seja pelo seu incrível talento esportivo.

Atualização: Serena estreou com vitória tranquila. Venceu o primeiro set por 6 a 0 e, quando tinha 2 a 0 no segundo, a russa Vitalia Diatchenko desistiu por causa de lesão.

Rodrigo Borges

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