(Carta Maior, 21/05/2014) A conta do twitter “A Minha Empregada” tem gerado polêmica na internet ao revelar algo que muitos tentam baixar os olhos: as agressões às empregadas domésticas no Brasil. Os relatos retuitados fazem com que a máscara de pretensa familiaridade na relação entre patroa e empregada das novelas da Globo caia. Muitos vão dizer que isso são casos isolados, mas o simples fato destes tipos de “brincadeiras” serem socialmente aceitas em certos meios já mostra o quanto este discurso está entranhado na sociedade brasileira.
A contratação de trabalhadores domésticos em larga escala é consequência do atraso social de um país. O fato de que existem pessoas que ganham o suficiente para que outra pessoa faça o serviço que ela própria poderia fazer demonstra o abismo da desigualdade social de uma nação. A proporção da existência deste tipo de trabalho se dá na medida que houver, de um lado, um excedente de mão-de-obra desempregada e sem qualificação para outros tipos de serviço, e de outro, uma classe que ganha o suficiente para comprar a força de trabalho de outra pessoa.
E a força de trabalho a ser comprada nesses casos é sempre a da mulher. Isso decorre de uma das mais graves consequências do machismo em nossa sociedade: a delegação dos trabalhos mais mal-remunerados ao sexo feminino. Sob as falácias sociais de que a mulher não pode desenvolver outras atividades mais “pesadas” (como se o trabalho doméstico fosse “leve”) e de que o trabalho doméstico é “coisa de mulher”, a muitas mulheres sem qualificação profissional só sobra o serviço doméstico. E isso é um problema não porque o trabalho doméstico seja indigno, mas porque até pouco tempo atrás estes serviços não gozavam de nenhuma regulamentação legal, o que deixava as trabalhadoras sem garantia alguma.
E essa desregulamentação do serviço doméstico é herança do escravismo e do patriarcado. Achar o serviço doméstico “menor” que os outros; achar que a patroa faz um “favor” ao oferecer um cômodo na casa para a empregada; afirmar que não é possível contar as horas de trabalho da empregada tal qual outros trabalhos porque ela passa o tempo entre uma atividade e outra “descansando”; separar a cozinha das áreas de vivência; ter entradas e elevadores “de serviço”; a preponderância de negras entre as trabalhadoras: tudo isso é herança de nosso escravismo, que incrustou estruturas e visões de mundo sobre o trabalho que estão presentes até hoje.
As novas leis trabalhistas que asseguram às domésticas direitos que elas nunca tiveram é só um passo diante da longa caminhada rumo a uma sociedade mais igualitária.O Brasil precisa de outros avanços sociais além de leis para que o número de empregadas domésticas decresça e aquelas que continuarem neste serviço tenham melhores remunerações. Mais condições para qualificação profissional, mais seguridade social, salários melhores e menos machismo farão com que menos pessoas tenham no trabalho doméstico sua última opção de sobrevivência.
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