(SEPPIR, 23/11/2015) Para secretário, o racista não se vê como tal e, assim, acredita que o preconceito não existe
“O número de mortes de jovens negros no Brasil é maior do que em regiões em guerra”. Isso é o que diz o secretário especial de políticas de promoção da igualdade racial da Presidência, Ronaldo Barros. Ele afirma que as mortes de jovens negros já chegam a 70 mil por ano no País. O número é quase seis vezes maior do que as perdas em Gaza, por exemplo, que chegam a 12 mil por ano. Isso, segundo ele, reflete “um sistema de desigualdade racial”.
— O racismo mata. O preconceito racial é algo que já é concebido e estigmatizado. Ele está na construção mental do brasileiro. As pessoas operam o racismo antes de qualquer reflexão.
Segundo ele, o pensamento racista é irracional e funciona como uma compulsão. Isso faz com que, algumas pessoas, sempre associem o negro a coisas negativas e cria a vontade de que eles sejam excluídos da sociedade.
— O racismo é um problema social, econômico e de saúde. O que acontece é a eliminação de pessoas negras que poderiam estar contribuindo com sua força de trabalho. Quantos talentos são eliminados?
Recentemente, um estudante de uma faculdade tradicional pichou uma porta de banheiro com dizeres racistas e um cantor falou em uma revista para adolescentes que tranças são “a salvação” para o “cabelo ruim”. Todos os dias, as pessoas se deparam com manifestações de racismo e, apenas algumas deles, ganham a mídia. Porém, muitos insistem em dizer que não existe racismo no Brasil, ou que ele seria “velado”.
A professora de história da Faculdade Cásper Líbero Juliana Serzedello Lopes diz que o racismo no País é, na verdade, “é escancarado”. Mas que é “envergonhado”, pois “quando vemos as estatísticas de não escolaridade, de uso de drogas, de prisão, todos esses índices ‘ruins’, a população mais afetada é dos negros”.
— Então temos um racismo que é bem escancarado, nítido.
Ela diz que os racistas se escondem, por medo de represálias. Porém, ela vê o caso do estudante do Mackenzie, por exemplo, como um caso claro de racistas que não querem mostrar o rosto.
— É lamentável. Mas expressa realmente o sentimento da elite brasileira. Ele vai ao banheiro, onde não vai ser apontado, e expressa o que acha.
O secretário concorda com o pensamento da historiadora e diz que, muitas vezes, o racista pensa que não é racista e não acredita que ele pode ser defensável e, por isso, acaba reproduzindo a fala de que o racismo não existe no País.
— Como ele não sofre o racismo, ele não sente o racismo. O problema é encoberto. Construções ideológicas tentam “maquiar” o racismo, mas ele é um mecanismo perverso de exclusão e violência.
A elite do País, segundo a historiadora, é racista e tem vergonha de dizer publicamente o que pensa, o que não quer dizer que é menos racista por isso. Juliana afirma que isso expressa também, por outro lado, o aumento de negros em ambientes em que antes eram excluídos. Um dos exemplos que fortificaram isso são as cotas para negros em universidades.
— A nossa elite é racista e não é de hoje. O que eu lamento é que, em vez de enfrentar o debate, os covardes publicam atrás de portas de banheiros. Eu aposto que hoje existe muito mais negro no Mackenzie do que há 20 anos. Hoje eles convivem com pessoas que antes apenas limpavam o chão deles.
Para Barros, grande parte do preconceito também está ligada ao fato de o racista perceber que o negro que sempre “serviu” a ele, está conquistando outros espaços e que eles precisam, cada vez mais, ter oportunidades para gerar uma representatividade da população negra em grandes espaços de decisão.
— Nós [negros] somos 53% da população. A representatividade cria uma referência positiva e é crucial para que evite esse problema.
Sobre a fala do cantor que deu a declaração polêmica para uma revista, a professora diz que ele “não chega a dizer que meninas negras são feias, ele minimiza e fala que trança é um cabelo ruim”.
— Até hoje ele não disse ser racista e postou fotos com meninas negras para afirmar isso. No entanto, é racismo. E, mais do que isso, ele vem travestido da liberdade de expressão.
Juliana diz que o fato é semelhante a quando alguém fala que “não tem nada contra negro”, mas não quer que uma filha sua case com um. Ela afirma que “a liberdade é válida a partir do momento em que você não fere outra pessoa”.
A professora diz que “a falta de um combate direto” faz com que a situação continue se perpetuando no País. Ela diz que, em curto prazo, é preciso punir as pessoas que fazem declarações racistas. Porém, mais do que isso, ela diz que é importante que a lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, seja colocada em prática para garantir uma resolução em longo prazo.
— Porque, aí sim, teríamos profissionais em todas as áreas que iam saber a importância do negro e do índio no Brasil.
Já o secretário diz que as leis como a citada pela professora e a lei de cotas, por exemplo, são fundamentais para que todos entendam como a cultura afro contribuiu para a nossa sociedade. Porém, ele garante que também é preciso uma mudança cultural.
— O Brasil precisa avançar no mundo privado. A lei assegura um estado de direito, mas é preciso uma nova compreensão. É preciso que as pessoas reflitam sobre as mazelas que o racismo causa.
Entrevista concedida ao Portal R7, assinada pelos jornalistas Giorgia Cavicchioli e Plínio Aguiar.
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